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A ORLA COSTEIRA AMEAÇADA - UM PROBLEMA DE DIMENSÃO NACIONAL

Artigo da autoria do Bastonário Carlos Mineiro Aires publicado na última edição da revista "Frontline"

17 de Dezembro de 2018 | Geral


CARLOS MINEIRO AIRES


A ORLA COSTEIRA AMEAÇADA 
UM PROBLEMA DE DIMENSÃO NACIONAL

Ocorreu-me abordar este tema quando recentemente tive oportunidade de assistir a alguma mediatização sobre a entrada em discussão pública de um programa de orla costeira (POC), de iniciativa governamental, relativo a um troço de litoral na zona norte do país, face às posições de incredibilidade que muitos dos intervenientes manifestaram. Uns nitidamente por razões ligadas a interesses pessoais ou políticos, outros por pura ignorância.

Portugal é um país atlântico com cerca de 980 km de costa, com um quarto da sua população concentrada nos concelhos do litoral, a que correspondem as principais áreas urbanas e industriais e importantes zonas turísticas, mas com a particularidade de cerca de 60% dessa população estar concentrada numa faixa com cerca de 60 km de largura, que se estende de Lisboa até ao Minho. Tal significa que esta faixa litoral, conjuntamente com a costa algarvia, concentra 75% da população portuguesa, onde se gera cerca de 85% do PIB, sobretudo nos setores secundário e terciário. Como é sabido, a costa portuguesa tem vindo a sofrer severos processos de erosão e de recuo da linha de costa, o que originou que, em cerca de 15% da sua extensão, tivesse havido necessidade de serem construídas obras de defesa e proteção, tais como esporões, proteções aderentes, paredões, entre outros, que requerem adequada e dispendiosa manutenção periódica, sendo que apenas atenuam o problema e, na maior parte das vezes, até o agravam a barlamar. Existem casos, como a cidade de Espinho, em que estas obras foram cruciais para a proteção do consolidado urbano, que sem elas já há muito teria perecido.
 
Litoral sob ameaça
Também todos conhecemos os dislates que em nome do desenvolvimento local têm sido permitidos, nomeadamente o licenciamento de construções e ocupações em zonas de risco, como é o caso de falésias e frentes de mar onde o risco nunca podia ser ignorado. Temos, assim, uma longa extensão do nosso litoral sob ameaça de avanço do mar, em zonas perfeitamente identificadas, ou seja, sobretudo a norte do cabo Mondego, Costa de Caparica e um pouco por todo o Algarve. Estamos, pois, perante graves situações de risco e vulnerabilidade costeira, que só podem tender para o agravamento, tanto mais que, para além da grave redução do aporte e do trânsito sedimentar ao longo da costa, que alimenta a largura de praia e reduziria o risco, as consequências das alterações climáticas potenciarão estes fenómenos, principalmente devido à subida do nível médio da água do mar. Centenas de quilómetros com elevado valor paisagístico, cénico e cultural e com relevante potencial económico, ou seja, uma boa parte nosso cartão de visita, estão assim vulneráveis e sob ameaça. Os que seguem este tema com maior atenção, bem como os que têm memória de um passado recente, facilmente se recordam de extensões de linha de costa onde já ocorreram recuos com mais de 200 metros, de marcas territoriais e patrimoniais que se tornaram ilhas e de zonas que estão sob ameaça de inundação ou que já foram destruídas.
 
Luta inglória
Desde há décadas que o Estado vem lutando contra esta inevitabilidade, investindo, através do erário público, valores incalculáveis na construção e manutenção de obras de defesa e proteção costeira e, mais recentemente, em enchimentos artificiais de praias e recuperações de dunas, a par de intervenções em falésias sob risco de desmoronamento. Digamos que as autoridades competentes têm cumprido o seu papel, mas também têm vindo a adquirir conhecimento que lhes permite conhecer melhor o território e a evolução destas ameaças, sendo sua obrigação procurar as melhores respostas para os problemas que tão bem conhecem. A par de interesses que podem ter subjacentes atitudes mais egoístas, confrontamo-nos com zonas habitacionais de classes sociais com mais dificuldades, sendo que ambos adotam a mesma postura cética, remetendo para o investimento público a defesa dos seus bens, ignorando que a guerra contra a natureza nunca poderá ser vencida. Confrontamo-nos, pois, com sérias ameaças de perda de território e de património e com graves situações de risco, em zonas com elevado potencial turístico e de criação de riqueza. Ignorar essas ameaças seria adotar a técnica da avestruz e fazer de conta de que nada se passa, ou seja, pactuar com a indiferença perante um risco iminente. Passemos ao essencial. As situações identificadas neste programa governamental para um troço específico do litoral, assim como nas restantes zonas, não são novas e encontram-se identificadas há décadas, pelo que, perante o mais que evidente agravamento das condições de vulnerabilidade do litoral, o Estado deve e tem de atuar. Por outro lado, o caminho que alguns ainda julgam ser possível (transformar a costa portuguesa num campo de esporões ou proteções de betão, modificando e desnaturalizando a beleza do nosso litoral), para além dos custos incomportáveis que encerra, não constitui uma solução perene e faz perder valor patrimonial, económico e potencial.
 
Proteção do património
O Estado tem, pois, de assegurar o que lhe compete em matéria de defesa e proteção do património e da segurança dos seus cidadãos, implementando e apoiando as melhores e mais adequadas soluções. Para tal, a investigação e a engenharia devem atuar em parceria com as entidades competentes para que, em cada situação e para cada caso, seja encontrada a melhor resposta. O litoral gera receitas capazes de ajudar ao financiamento das soluções mais prementes e a coesão nacional certamente contará com a solidariedade dos contribuintes para as soluções que se requerem. Temos todos obrigação de salvaguardar o futuro, evitando matar a nossa "galinha dos ovos de ouro”, o que começa pela boa gestão da ocupação do território e pela solução dos problemas em que o Homem provocou a aceleração do confronto com a Natureza.

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