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Ordenamento jurídico português. Características das Ordens Profissionais

As associações profissionais particulares constituem-se para defender os interesses de um determinado grupo de pessoas e não estão sujeitas a qualquer tutela do Estado.
Ensina o Professor Jorge Miranda (1 e 4), que as Ordens Profissionais prosseguem interesses públicos traduzidos na garantia de confi ança nos exercícios profissionais, que envolvem especiais exigências de natureza científica, técnica e deontológica.
São associações públicas criadas pelo Estado por devolução de poderes (recebem do Estado poderes a ele pertencentes), e, por isso, a sua criação e organização é regulada pelo direito público e não pelo direito privado (embora certos aspectos do seu funcionamento possam ser regulados pelo direito privado). Integram a Administração do Estado (administração autónoma), participando da actividade administrativa.
Estão sujeitas a uma tutela estadual mais ou menos intensa. Seguindo a lição do Professor Vital Moreira (2), tutelam uma profissão ordenada (regulada). As profissões ordenadas estão, por princípio, sujeitas a registo oficial dos seus membros, o qual tem uma função externa de publicidade e de protecção da boa fé dos cidadãos quanto à habilitação profissional.
Não existe em Portugal uma lei-quadro das Ordens Profissionais (a criação de Ordens Profissionais tem resultado de diplomas legislativos avulsos). Porém, traço comum a todas elas é o seu interesse geral relevante, apertados preceitos deontológicos e estrutura disciplinar autónoma (as penas disciplinares podem ir até à interdição do exercício da actividade profissional).
Ensina o Professor Diogo Freitas do Amaral (3) que as Ordens Profissionais são associações públicas que:
1.º – Só podem ser constituídas para satisfação de necessidades específicas;
2.º – Gozam do privilégio da unicidade;
3.º – São de inscrição obrigatória;
4.º – Podem impor a quotização obrigatória a todos os seus membros;
5.º – Controlam o acesso à profissão do ponto de vista legal e deontológico;
6.º – Exercem poder disciplinar sobre os seus membros.
A tais características, acrescentaríamos:
(i) reconhecimento individualizado da personalidade jurídica, com estatutos aprovados por diploma legal;
(ii) representação institucional da profissão perante a sociedade e o Estado;
(iii) atribuição em exclusivo de títulos profissionais, previstos nas normas estatutárias (que a Administração Pública e os Privados têm de reconhecer, dada a sua força legal);
(iv) impossibilidade de dissolução por mera deliberação dos associados;
(v) recurso contencioso para os tribunais administrativos, dos actos administrativos praticados pelos seus órgãos.
Assim, possuindo poderes públicos e sendo executoras de um serviço público, têm natureza especial, pelo que, na lógica do ordenamento jurídico português, a criação de Ordens Profissionais só pode ser feita por diploma legislativo (a matéria é de tal modo importante que é reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o que significa que o Governo só pode legislar segundo Lei de Autorização da Assembleia, sendo obrigado a seguir o sentido e extensão que a mesma fixar).
A OA, constituída segundo o direito privado, não reúne nenhuma das características supra das Ordens Profissionais, e, consequentemente, não deve designar-se por ORDEM.
Foi, portanto, mal admitida pelo RNPC, a denominação “Ordem dos Avaliadores”.
Direito de livre constituição de associações. Controle da legalidade. Risco da completa trivialização das Ordens Profissionais.
Mas, então, o direito constitucional de livre constituição de associações não é, deste modo, afectado? Não é! Qualquer agrupamento de pessoas pode constituir associações profissionais (sindicatos, associações profissionais de polícia, associações de avaliadores, etc.) por escritura pública.
O que os particulares não podem é constituir Ordens Profissionais porque são associações públicas, instituídas, exclusivamente, por lei.
Embora sem conceder, compreende-se que, por se tratar da primeira vez que no nosso ordenamento jurídico aparece uma Ordem profissional constituída de acordo com o direito privado, tal tivesse passado sem que o RNPC (admissibilidade da denominação), o Notário (que lavrou a escritura) e o Magistrado do Ministério Público (que verificou a conformidade dos estatutos com as normas legais), se tivessem apercebido, de que se estava a criar, por escritura pública, um tipo associativo que, no ordenamento jurídico nacional, apenas pode ser criado por acto legislativo.
O controle da legalidade que tais personalidades terão feito ter-se-à centrado, na sua essência, na conformação às normas do direito privado, que regulam a constituição e funcionamento das associações (DL 594/74, de 7 de Novembro e Código Civil, em especial, os artigos 157.º a 184.º).
Mas tal não implica que a Ordem dos Engenheiros se conforme com a constituição de Ordens Profissionais por grupos de cidadãos, por muito categorizados que sejam, pois tal vai contra o ordenamento jurídico português, onde estas têm um carácter excepcional.
Não se põe em causa a sua criação como associação profissional, pois de acordo com o princípio da livre associação, podem ser criadas tantas associações profissionais quantas os nisso interessados entenderem (vejam-se, v.g., os diversos sindicatos e associações de professores).
O que se questiona é a denominação de Ordem por uma associação profissional a quem o Estado não concedeu quaisquer poderes públicos que caracterizam as Ordens Profissionais.
Admitir que qualquer grupo de profissionais possa denominar por Ordem a sua associação, salvo o devido respeito, poderá signifi car que, a prazo, comecem a aparecer Ordens das mais variadas proveniências, de profissionais independentes ou subordinados com quaisquer formações académicas, e, assim, passarmos a ter: Ordem dos Estucadores; Ordem dos Electricistas; Ordem dos Agentes Técnicos de Engenharia e Arquitectura; Ordem dos Motoristas, etc., etc..
Se tal acontecer, poderá o RNPC negar a denominação de, por exemplo: Ordem dos Agentes Técnicos? E o mesmo Notário não lavrar a respectiva escritura pública de constituição e os estatutos? Qual seria a fundamentação para a recusa?
Que a Ordem dos Avaliadores é constituída por cidadãos com formação académica de nível superior? Não colheria, pois tal  não está previsto nas normas de direito privado, que regulam a constituição e funcionamento de associações.
Que a avaliação é uma relevante actividade no País? Não se pondo tal em causa, teria de ser a Assembleia da República a reconhecer a necessidade específica (art.º 267.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa-CRP) de criar uma Ordem Profissional (associação pública) para o efeito.
Poder-se-iam arrolar mais argumentos para distinguir a “Ordem dos Avaliadores”, constituída por escritura pública, de quaisquer outras Ordens Profissionais constituídas através do mesmo instrumento jurídico, mas todos eles cairiam perante a invocação do princípio da igualdade consagrado na CRP. Os Cartórios Notariais e o Ministério Público não poderiam distinguir o que a lei do direito de associação e o Código Civil não distinguem, não podendo, consequentemente, deixar de outorgar as escrituras e os estatutos, que quaisquer grupos de profissionais requeressem e, antes disso, o RNPC não poderia deixar de admitir as respectivas denominações.
Se os particulares pudessem constituir Ordens Profissionais, então qualquer grupo de profissionais, de qualquer formação académica, nisso interessado, independentes ou subordinados, poderia criar a sua própria Ordem Profissional, por escritura pública, invocando o exemplo da criação, pelo mesmo instrumento jurídico, da “Ordem dos Avaliadores”.
Admitir tal é correr o risco de se cair numa total trivialização das Ordens Profissionais, que não aproveitará a ninguém.
Salvo o devido respeito por todas as profissões, porque todas são necessárias e todas têm o seu lugar e importância, a acontecer tal, ninguém perceberia o que distinguiria uma Ordem Profissional de uma mera associação profissional particular.

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