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Da Grande Guerra ao fim da I República

A ruptura do espaço económico europeu e mundial provocada pela I Guerra Mundial transformou indelevelmente a ordem internacional, interrompendo, apesar das vulnerabilidades já existentes, um período de crescimento económico registado à escala internacional e até em termos nacionais, se observado num ciclo longo, recuado aos meados do século XIX.

A drástica alteração do comércio internacional originou uma série de perturbações em Portugal, dada a sua elevada dependência do
exterior para o regular abastecimento de bens alimentares, combustíveis, matérias-primas e equipamentos indispensáveis ao funcionamento da sua economia.

À escassez generalizada e à desorganização dos circuitos comerciais verificadas à escala mundial, somavam-se os efeitos da insuficiência da rede de transportes nacional, com efeitos sociais dramáticos sobre o abastecimento da população em bens de consumo essenciais, como cereais e combustíveis. A situação agravar-se-ia com a entrada de Portugal na Guerra.

A par de tudo isso registavam-se os efeitos dramáticos nas finanças públicas e no financiamento da balança de pagamentos, sentidos de forma muito sensível desde o início do conflito e significativamente agravados pelo esforço que a participação portuguesa na frente europeia implicou.

Os efeitos da Guerra tiveram um impacto mais negativo no campo financeiro do que no quadro económico.

Considerando a existência de resultados desiguais e contraditórios para os diversos ramos de actividade, refiram-se como beneficiários a indústria química (CUF, Sapec), o sector cimenteiro (sobretudo nos anos 20 com a Empresa de Cimentos de Leiria, de Henrique Sommer), o sector mineiro e da indústria extractiva e o da metalurgia e da metalomecânica.

O final do conflito proporcionou um clima de optimismo e euforia entre os principais sectores económicos, beneficiando, aliás, do
quadro internacional de recuperação rápida e expressiva que caracterizou os meses do pós-guerra. O surto industrial, beneficiário da liquidez que a guerra propiciaria, das medidas proteccionistas e de desvalorização da moeda, em breve se confrontaria com o reajustamento do país e do mundo à realidade do pós-guerra e aos impactos da crise de 1921.

A conjuntura degradar-se-ia significativamente nos anos seguintes, aumentando o desconforto não só entre os mais ligados aos sectores da agricultura e do comércio, mas também junto daqueles que viam os seus magros salários esmagados pela inflação.

Entre tudo, impunham-se os pesados legados financeiros da guerra. Desde logo, ao nível das contas públicas, colocando o drama do desequilíbrio financeiro em toda a sua gravidade dadas as proporções inéditas que atingira, compreendendo mais de 22 milhões de libras de dívida externa e um défice orçamental de 13,8 milhões de libras.

Para o Partido Democrático no poder, a solução inflacionista afigurava-se a mais viável, sendo que a política contrária forçava a contenção de despesas, que seria recebida de forma geral com grande hostilidade. Noutro sentido, o poder político tinha de encontrar uma solução rápida e eficaz para fazer face à crescente pressão e justificada insatisfação social. Expectante, o mundo operário ansiava por medidas que permitissem atenuar os efeitos da degradação das condições de vida que a Guerra agudizara, esperando, pelo menos, o descongelamento salarial. Fosse essa ou outra a solução, sobretudo não podia tardar… na verdade, em 1919, o custo médio de vida em Portugal subira, por comparação com 1914, 316 por cento, chegando a 2886,4 por cento em 19251, o que expressava bem o agravamento da carestia nestes anos.
A crise de contornos internacionais de 1921, o agravamento do défice orçamental e o seu aproveitamento político, os limitados pressupostos em que vinha assentando o próprio desenvolvimento de uma indústria que crescia virada para dentro e sem que, teimosamente, aceitasse modernizar-se, ganhavam contornos de maior gravidade num quadro político de crescente instabilidade e num cenário social de grande insatisfação.

Ultrapassados os efeitos mais profundos da I Guerra, o país encetou um ciclo de recuperação e experimentou um quadro de crescimento económico, embora irregular e de pouca duração, que ficou a marcar a década de 20. Crescimento particularmente visível nalgumas actividades industriais mas também sentido no sector agrícola, de certa forma beneficiando do clima nacional e internacional de proteccionismo, como prova o comportamento do comércio externo que não acompanha o ritmo da economia, e que se reflectiu no reequilíbrio das finanças públicas e nos resultados nas contas externas registados em meados da década.

A escalada de agravamento da situação financeira e social que se vinha verificando desde o princípio da Guerra, em que o nível geral de preços septuplicou, a inflação anual ultrapassou os 80% e o custo de vida aumentou 20 vezes, é subitamente invertida em 1924, na sequência da aplicação do programa de estabilização iniciado com o Governo de Álvaro de Castro. O ano de 1925 confirmou a estabilização dos preços, que no ano seguinte desceriam, e a estabilização do valor do escudo.

Apesar dos resultados financeiros, o programa económico radical, dos governos de Álvaro de Castro e de Rodrigues Gaspar, fracassaria nos seus propósitos, incapazes de vencer o confronto político, os efeitos demasiado longos e persistentes de degradação das condições de vida e o crescente mal-estar social.

Se, quanto ao ideário prosseguido, a I República foi, ou pretendeu ser, no campo da economia, um tempo e um espaço de reforma, é certo que, entre vicissitudes de toda a natureza, que vão desde a agitação política às impossibilidades financeiras, fizeram prevalecer como ideia geral, que o regime republicano se limitou a ser uma espécie de entreacto entre a Monarquia politicamente esgotada e arruinada e o Estado Novo, tendendo a esquecer o impacto da Ditadura Militar. O potencial modelo económico e social, marcado por um assinalável conjunto de propostas inovadoras e consistentes que sempre fez parte dos ideais republicanos e que constituiria um elemento distintivo da I República ficou quase totalmente frustrado ou anulado, embora se tenha imposto nalgumas matérias, com repercussões duradouras, tendo nesses casos visto a sua concretização adiada para o Estado Novo.

1 Indicadores para o mês de Julho dos respectivos anos. Cf. F.G. Velhinho Correia, “Situação Económica e Financeira de Portugal: Elementos de Informação e Estatística”, vol. 3, Comissão Executiva da Conferência da Paz, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926.

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