fechar
Acessibilidade (0)
A A A

Escolha o idioma

pt
5898a80e56233bb2a3e7d468b7e5cd1e.jpg

A introdução do telefone em Portugal - I

Da Edison Gower Bell Telephone à The Anglo Portuguese Telephone Company (APT) (I)


Aprimeira exploração das redes telefónicas de Lisboa e Porto foi concedida, em Portugal, por contrato celebrado em 1882, à Edison Gower Bell Telephone Co. of Europe, Limited, ficando reservada ao Estado a implantação do serviço no resto do País. Em 1887, a concessão da Edison foi para The Anglo Portuguese Telephone Company (APT)1, dada a necessidade de criar uma empresa específica para o serviço telefónico português.

A Anglo-Portuguese Telephone Company, Ltd, exerceu a sua actividade em Portugal ao longo de setenta anos, explorando as redes telefónicas de Lisboa e Porto e alargando-se mais tarde para as áreas circundantes das duas cidades. Tendo adquirido a concessão anteriormente entregue à Edison Gower Bell, em Setembro de 1887, a APT renovou contrato com o governo português em 1901 e 1928, prolongando estas condições até 1967. Composta por investimentos britânicos, a Companhia operou essencialmente com tecnologia inglesa, sendo responsável, por exemplo, pela automatização das centrais telefónicas de Lisboa e Porto, iniciada na década de 30, mas com maior impulso após a II Guerra Mundial. Em 1967, data em que findou a concessão acordada, o universo patrimonial da APT foi resgatado pelo Estado português, constituindo-se a empresa pública TLP.

Patenteado por Alexander Bell em 1876 nos Estados Unidos e aperfeiçoado por Thomas Edison, o telefone surge como um objecto de adorno ou como mais um aparelho experimental produzido pelo espírito positivista. Em 1884, a empresa de Bell inaugurou a primeira linha telefónica interurbana, entre Boston e Nova Iorque. A partir de então, as redes telefónicas expandiram-se freneticamente pelo Mundo fora contagiando sucessivos países; em breve, a maioria das grandes cidades possuía centrais telefónicas próprias.

Um ano depois de Bell ter registado a patente do aparelho, realizaram-se em Portugal as primeiras comunicações experimentais de telefonia: a 24 Novembro de 1877 foi feito o primeiro ensaio entre Carcavelos e a Estação do Cabo, em Lisboa.

Entusiasta, o rei D. Luís I assistiria em Dezembro desse mesmo ano, à ligação telefónica entre o Observatório Meteorológico da Escola Politécnica de Lisboa e o Observatório Astronómico da Tapada da Ajuda; segundo relatos da época, o monarca terá ficado maravilhado com a circunstância de ter reconhecido pelo timbre, as vozes dos engenheiros que dirigiram a experiência, quando estes o cumprimentaram do outro lado da linha2.

Nos anos seguintes, entre 1879 e 1880, dariam entrada no Ministério das Obras Públicas vários requerimentos para o estabelecimento e exploração das redes telefónicas de Lisboa e Porto. A construção das primeiras redes telefónicas em Portugal só seria iniciada em 1882, depois de ultrapassadas diversas hesitações e frustradas várias propostas.

O corpus legislativo do regulamento provisório publicado em 1880 para os serviços telégrafo-postais expressava um grau de importância dada aos telefones ainda pouco reflectido, remetendo este meio de comunicação para a designação de linhas “acústicas” ou “outras”; de qualquer forma, era esse o articulado que estipulava os requisitos básicos que os proponentes deviam respeitar no pedido de concessão.

A abertura do primeiro concurso público para estabelecimento e exploração de redes telefónicas, tanto para Lisboa e Porto como para outras cidades do País, foi, por fim, anunciada em Fevereiro de 1881, com a publicação do programa e condições para efeitos de contratos a celebrar3.

Pelo teor da documentação ficavam claros os requisitos fundamentais impostos pelo Estado: a comparticipação mínima de 5% dos lucros brutos da companhia concessionária; o compromisso de ligação das estações telefónicas a construir com as estações telégrafo-postais do Governo e, naturalmente, a sujeição à fiscalização pela Direcção Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis. Na verdade, as condições eram exigentes… requerendo contrapartidas elevadas, porventura excessivas relativamente à modéstia dos benefícios concedidos...4

De qualquer forma, o concurso foi anulado; atrasos processuais, a saída do Ministério presidido por Anselmo Braamcamp em Março de 1881 e a própria desistência dos candidatos que inicialmente se propuseram, assim o determinaram. Num ofício que então dirigiu ao Ministro das Obras Públicas, o Director Geral dos Telégrafos e Faróis, Guilhermino Augusto de Barros, lamentava o sucedido, explicando-o nos seguintes termos: É de crer, infelizmente, que o melhoramento em questão, não poderá ser empreendido por muitas outras empresas porque é assunto pouco conhecido e porque as condições do programa pouco se prestam a proventos industriais em país de limitado movimento comercial como o nosso. Antes deste concurso e em diversas épocas fizeram-se ao governo várias propostas (...) mas as condições delas eram de todo o ponto inaceitáveis no seu conjunto, e em geral visariam talvez ao lucro de uma transferência de concessão5.

O impasse criado veio a ser ultrapassado através do lançamento de um novo concurso em cujo regulamento se introduziram as alterações necessárias à viabilização da concessão retirando, nomeadamente, a exigência de privilégio exclusivo e definindo a percentagem para o Estado a partir da receita líquida. O novo concurso público foi aberto em Setembro do mesmo ano, para o estabelecimento e exploração das redes telefónicas nas cidades de Lisboa e Porto. A comissão nomeada para dirigir os seus actos era composta por Castanheira das Neves e Paulo Benjamim Cabral. Houve apenas uma proposta, da qual resultou a adjudicação e a celebração do contrato para a primeira exploração das redes telefónicas de Lisboa e Porto, com a Edison Gower Bell Telephone Co. of Europe, Limited.

A adjudicação das redes telefónicas de Lisboa e Porto foi assinada em 13 de Janeiro de 1882. Mediante os termos do contrato foram estabelecidos os princípios de fiscalização das tarifas aplicadas pela companhia, o compromisso de contribuir para o Estado com 7 1/8 da sua receita líquida e a ausência de privilégio exclusivo e de isenção de direitos alfandegários.
A concessionária conseguira, porém, que lhe fosse permitido estabelecer gratuitamente, no decurso dos primeiros quatro meses, 100 ligações de casas à sua escolha com as suas estações.

A Edison Gower Bell Telephone Company of Europe, Ltd, tornou-se assim a primeira companhia de telefones a operar em Portugal; também ela descendia da concentração de outras empresas britânicas, sendo presidida por Eduard Gourand e representada em Portugal por Henry Samuel Samuel. Ultrapassada a fase do concurso público, a única concorrente tornou-se concessionária em regime provisório, reflexo da carência de suportes legislativos regulamentares desta nova actividade. A companhia britânica operava apenas nas cidades de Lisboa e Porto, ficando reservada ao Estado a implantação do serviço no resto do País.

O interesse económico pelo telefone manifestou-se de forma tímida em Portugal, sofrendo alguns embates nos primeiros anos de prestação deste serviço. À parte algumas experiências realizadas previamente, foi fundamentalmente a partir de 1881 que as comunicações telefónicas ganharam fôlego para arrancar nos grandes centros urbanos portugueses. A telefonia, enquanto negócio concorrencial a explorar, foi também alvo de concentrações e fusões de empresas, onde o predomínio britânico era já ameaçado.

O tempo de vida da Edison em Portugal foi breve, em 1887, a empresa foi adquirida pelo valor de £50 000 em participações6. A concessão foi trespassada, por decreto de 25 de Agosto de 1887, para a The Anglo Portuguese Telephone Company (APT)7, dada a necessidade de criar uma empresa específica para o serviço telefónico português. O contrato de 1882 sofreu as alterações indispensáveis, celebrando-se em 14 de Setembro de 1887 os novos termos de concessão, prolongada pelos quinze anos subsequentes, assente no novo cálculo da percentagem a pagar ao Estado, agora estipulada em 3% da receita bruta da companhia8.

Durante o primeiro semestre de 1891, a Companhia dos Telefones (como ficou popularmente conhecida a APT) montou na cidade de Lisboa 64 linhas e concluiu os seguintes traçados: Santa Justa-Intendente-Anjos, Santa Justa-Madalena, Santa Justa-Praça da Figueira. Os troços Santa Justa-Cais do Sodré e Bairro-Estrela encontravam-se em construção. No Porto, durante o mesmo período, foram abertas ao público as estações suburbanas de Leça e Matosinhos.

Assolada ainda por deficiências de abastecimento material decorrentes da nova Administração de Londres, onde se encontrava a sede da empresa, a APT enfrentou, à entrada do século XX, sérias dificuldades financeiras. Estes problemas, que coincidiram com a expansão das redes extra-urbanas, colocaram entraves ao desempenho administrativo a que a empresa se propusera. No entanto, em 1901 foi firmado o contrato definitivo entre a Anglo-Portuguese e o Estado, prolongando por mais trinta e seis anos as condições da sua concessão.

Bibliografia
  • Maria Fernanda Rollo (coord.), História das Telecomunicações em Portugal Da Direcção Geral dos Telégrafos do Reino à Portugal Telecom, Tinta da China, 2009.
  • A. H. de Oliveira Marques e Maria Fernanda Rollo, “Os Meios de Circulação e de Distribuição”, Portugal da Monarquia para a República (Coordenação de A. H. de Oliveira Marques), Nova História de Portugal, vol. XI, dirigida por Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Editorial Presença, 1991.

1 Diário do Governo, 9 de Setembro de 1887. 
2 Diário de Notícias, de 17 de Dezembro de 1877, p. 1. 
3 Diário do Governo, 12 de Fevereiro de 1881. 
4 Idem.
5 Arquivo da Fundação Portuguesa de Comunicações, Concessão do Serviço Telefónico (1879 a 1901), Ofício de 07-03-1881 enviado pelo Director Geral dos Telégrafos e Faróis ao Ministro das Obras Públicas.
6 AFPC, Concessão do Serviço Telefónico (1879 a 1901), APT 1, Contrato de 8 de Junho de 1887. 
7 Diário do Governo, 9 de Setembro de 1887.
8 Idem.

Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 117 – Maio/Junho de 2010

Parceiros Institucionais