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A introdução do telefone em Portugal - II

Da Edison Gower Bell Telephone à The Anglo Portuguese Telephone Company (APT) (II)


Ao telefone faltava tornar-se mais acessível, o que requeria preços mais baixos. Além disso, a modernização dos equipamentos e sistemas existentes tornar-se-ia cada vez mais imperativa e inadiável, indispensável para ultrapassar a situação que caracterizou a actividade da Anglo-Portuguese Telephone Company nesta altura, entre solavancos e problemas técnicos transversais a todo este período, pontuado por crescentes queixas dos subscritores, afectando o comportamento económico da companhia. Acresceu às perturbações técnicas, de forma mais evidente nos anos finais da guerra, o périplo negocial entre esta companhia e os sucessivos governos pela actualização de tarifas, tónica de agravo sobre os utilizadores já de si insatisfeitos com a aventura de incidentes que experimentavam na utilização dos seus telefones. O período da bateria central (embora perdurasse um longo convívio com a bateria local) foi aberto em 1903 e, mais relevante, em 1915 inaugurou-se a Estação Norte em Lisboa, com maior capacidade.

Logo nos primeiros dias que se seguiram à implantação da República, o Governo Provisório republicano tratou de alterar a denominação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria para Ministério do Fomento1. Gesto de grande peso simbólico, sem grandes resultados práticos, mas que anunciava a vontade de proceder, num curto prazo de tempo, a profundas reformas no seio dessa repartição. E elas não demoraram muito a surgir.

Entre as primeiras medidas republicanas contou-se a iniciativa de reformular os serviços de Correios e Telégrafos. Em Maio de 1911, para superintender o sector das telecomunicações, foi criada a Administração Geral dos Correios e Telégrafos (AGCT). A era das direcções gerais tinha chegado ao fim. Mais uma vez, como justificação para a alteração foi invocada a necessidade de tornar o serviço postal e telegráfico mais eficiente e melhor adaptado às exigências do público. Procurava-se, por outro lado, atender às reclamações dos seus funcionários.

A partir de 1914 começaram-se a estabelecer linhas telefónicas particulares ligadas à indústria e ao comércio, trazendo rendimentos suplementares ao Estado e à APT.

Quando a I Guerra rebentou, a Companhia dos Telefones tinha cerca de 8 mil assinantes. Aumentando gradualmente, a rede telefónica de Lisboa e do Porto repercutia os programas de desenvolvimento gizados pela Companhia: acompanhando o crescimento de Lisboa para Norte, a 15 de Janeiro de 1915, a fim de se dividir o serviço, visto a “Central” em pouco tempo não poder comportar muitas mais linhas2, tinha sido inaugurada a Central “Norte”, situada na Rua Andrade Corvo. A chamada telefónica passou a efectuar-se entre as duas centrais, novidade que obrigou os técnicos do tráfego telefónico a planear cuidadosamente a estrutura das redes. Do ponto de vista económico, e uma vez que o contrato celebrado entre a APT e o Estado determinava a ligação dos aparelhos à estação mais próxima (as tarifas são lançadas por distâncias), alguns assinantes lucraram com o melhoramento.

Os equipamentos utilizados, sistema de bateria comum, pouco diferiam dos empregues na “Central” da Rua da Conceição. As alterações introduzidas relacionavam-se sobretudo com a introdução de lâmpadas avisadoras nas réguas dos grupos de fusíveis relativos às correntes de chamadas, nova disposição das mesas para facilitar a manobra das cavilhas e emprego de bobines de repetição. Os aparelhos constavam de um dínamo Western Electric de 225 amperes a 30 volts para carga dos acumuladores que eram do tipo Tudor com a capacidade de 600 amperes hora; um motor dínamo para o mesmo fim, dois dínamos para correntes de chamadas, um motor de gás de 16 cavalos, tipo “Crossley”, um quadro de comutações, ferragens para relais, mesas de experiências com voltimétres e um posto de reclamação.

Em 1915, a Companhia dos Telefones enfrentava as primeiras dificuldades: fruto da dificuldade de aquisição de telefones de mesa, auscultadores, fio e cabo, os serviços atrasaram-se, chegando a haver mais de dois meses e meio de atraso no cumprimento dos pedidos.


A conjuntura de guerra complicou sobremaneira o crescimento das realizações económicas em geral, fossem elas previstas pelo aparelho estatal ou pela iniciativa privada.

Não era, de facto, o momento favorável a investimentos técnicos. Já em 1914 eram visíveis os entraves à obtenção de aparelhagem, obtida por importação do exterior (essencialmente de Inglaterra), que estimularam a Companhia a procurar a acção diplomática estatal a desbloquear essas importações. Contando com cerca de 8000 assinantes, em 1914, a Companhia coleccionou para os anos seguintes uma extensa lista de espera, à qual se apresentava a impossibilidade de atender – lista que, em 1920 ascendia aos três mil assinantes. Desenrolava também os primeiros fios de um longo novelo de negociações junto do Estado em defesa de actualizações tarifárias articuladas com a persistente inflação, o que veio desencadear a forte contestação do público.

A incapacidade de dar resposta aos problemas técnicos constantes obrigou mesmo a Companhia, em 1917 e 1918, a não aceitar mais contratos antes da obtenção do material esperado.

Os trabalhos de negociação da Companhia dos Telefones pela reformulação de tarifas entre 1919 e 1924 reuniram no seu conjunto, como argumentos fundamentais, a actualização de vencimentos do pessoal e modernização dos serviços, as imposições exógenas produzidas pela desvalorização contínua da moeda portuguesa e a aplicação de modelos de tarifário mais justos como o seriam os preços por chamada em contraste com a taxa anual fixa em vigor. Restaria apurar em que medida se poderiam ler estas actualizações enquanto estratégia de desenvolvimento na tentativa de contornar a inflação ou, por outra hipótese, pouco mais significaram que uma acomodação rentável ao fenómeno depreciativo, como frequentemente se sugeriu para o universo empresarial da época.

Em 1919 tomavam-se já os primeiros apontamentos sobre a futura inserção do sistema de Measured Rate, onde se pretendia alterar as tarifas fixas anuais para a cobrança por chamada. Neste ano, o fiscal do Governo para a Companhia assinalava já duas autorizações passadas de elevação dos preços a 30% na conta total.

A situação financeira periclitante e a crescente desvalorização cambial vivida durante o primeiro lustro dos anos 20 complicou os planos de expansão da Companhia: em Maio de 1925, utilizando os aparelhos mais recentes e processos de ligação modernos, foi, então, finalmente inaugurada a Estação Telefónica da Trindade, assinalando uma certa viragem em matéria de investimento.

Entretanto, o mundo entrava num ciclo de recuperação mais aparente que real, com moedas mais estáveis mas não menos vulneráveis, criando uma rampa de deslize especulativo por parte da realidade empresarial, num movimento de sobreinvestimento que não tardaria em denunciar-se.

Encerrado o capítulo da República, a APT renegociou a concessão vigente com o Governo da Ditadura, em 1928, concluindo os projectos anteriores de introdução das tarifas por chamada e prorrogando para os 40 anos subsequentes o prazo de exploração. Seria uma nova linha de actuação a protagonizar pela empresa, que concluiria o contrato ali assinado.

Bibliografia
  • Maria Fernanda Rollo (coord.), História das Telecomunicações em Portugal Da Direcção Geral dos Telégrafos do Reino à Portugal Telecom, Tinta da China, 2009.
  • A. H. de Oliveira Marques e Maria Fernanda Rollo, “Os Meios de Circulação e de Distribuição”, Portugal da Monarquia para a República (Coordenação de A. H. de Oliveira Marques), Nova História de Portugal, vol. XI, dirigida por Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Editorial Presença, 1991.

1 Diário do Governo, 10 de Outubro de 1910.
2 AFPC, Relatórios do Fiscal do Governo junto da APT 1915 a 1923, Relatório de 24 de Junho de 1916

Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 118 - Julho/Agosto de 2010

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