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António de Vasconcelos Correia, Primeiro Presidente da Ordem dos Engenheiros


No artigo anterior, começava a tornar-se visível a importância crescente que António de Almeida Vasconcelos Correia vinha assumindo na condução da fase final do processo que havia de conduzir à constituição da Ordem dos Engenheiros.
Presidente da Direcção da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses (AECP), eleita em 1934, foi sob o seu mandato que se tornou possível preparar o Projecto de Estatuto Profissional dos Engenheiros, confirmando a reivindicação de que a futura Ordem deveria compreender apenas as especialidades de engenharia correspondentes ou equivalentes às professadas nas escolas superiores de engenharia portuguesas.

Como vimos então, a publicação do decreto-lei n.º 27 288, de 24 de Novembro de 19361, criava o Sindicato Nacional dos Engenheiros com a designação de Ordem dos Engenheiros, satisfazendo, finalmente, uma velha aspiração dos engenheiros da AECP.

Foi grande o regozijo no seio da classe, sobretudo pelo que o diploma dispunha no respeitante ao estatuto da profissão e às funções disciplinares atribuídas à nova associação dos engenheiros. Para a Ordem recém-criada, integrada na organização corporativa do Estado Novo que desta forma passava a desempenhar um papel político relevante, transitaram os sócios da AECP, uma vez que o novo organismo era de inscrição obrigatória para todos os indivíduos habilitados legalmente ao exercício, em Portugal, da profissão de Engenheiro.

A par da Assembleia-geral, constituída pelos membros efectivos (os de naturalidade portuguesa, distintos da categoria de membros agregados, de nacionalidade estrangeira), surgiam o Conselho Disciplinar, as secções de Acção Cultural das especialidades e, naturalmente, o Conselho Directivo, órgão executivo por excelência, com funções de representação externa da Ordem e coordenador das suas actividades.
Foram eleitos para o primeiro Conselho Directivo os engenheiros António de Vasconcelos Correia, presidente, Duarte Abecassis, vice-presidente, José Mercier Marques, secretário, e como tesoureiro Manuel Aboim Sande Lemos.
É, portanto, neste quadro que a, até então, discreta figura de António Vasconcelos Correia nos surge como um elemento importante no contexto da evolução do papel dos engenheiros em Portugal, do seu estatuto social e da constituição da sua principal organização profissional.

De resto, este primeiro mandato foi sobretudo ocupado pelos trabalhos de instalação e, como os próprios afirmam no primeiro relatório do Conselho Directivo, “porque se tratava de uma fase inicial”, não foi possível um desempenho tão cabal como se desejava porque (...) “houve que atender a um certo número de factos e circunstâncias que não permitiram que os trabalhos tivessem o desenvolvimento que, porventura, seria de esperar”2.

Apesar destes condicionalismos, ainda foi possível cumprir um programa cultural relativamente vasto, que integrou conferências e visitas de estudo e, para além de ter sido assegurado o funcionamento corrente da nova associação, pôde ser inaugurada a delegação do Porto, foram lançados os fundamentos de uma biblioteca, foram adquiridos alguns instrumentos técnicos que poderiam ser alugados pelos associados, foi reiteradamente feita a defesa do título e da profissão de engenheiro e foram acautelados, junto de várias instâncias privadas e públicas, os interesses profissionais dos seus membros, foi assegurada a representação da Ordem quer na Câmara Corporativa quer no Conselho de Estética Citadina de Lisboa e, a partir do segundo ano, passou a ser distribuído com regularidade mensal o Boletim da Ordem.

Por fim, uma referência ao convite formulado pela Institution of Civil Engineers para que a Ordem indicasse um candidato para receber a medalha Lord Kevin em 1938, tendo a Ordem proposto o “nome do sábio almirante Gago Coutinho”3.
António Vasconcelos Correia, filho do também engenheiro e construtor naval Júlio César de Vasconcelos Correia, formou-se em engenharia civil na Escola do Exército de Lisboa, no ano de 1894. A sua carreira profissional foi em grande parte desenvolvida na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, onde prosseguiu dois estágios de pós licenciatura, o primeiro nas oficinas de Santa Apolónia e o segundo no Entroncamento e nas Caldas da Rainha.

Num percurso ascensional relativamente rápido para altura, entre 1896 e 1901, foi promovido sucessivamente a maquinista de 2.ª classe (1896), a agente técnico dos serviços de material e tracção, a subchefe do depósito de máquinas de Campolide e a adjunto do chefe das oficinas da mesma companhia em 1897. Pouco depois, chegou à categoria de sub-inspector (1899) e a inspector de tracção (1901). Terminada esta fase, Vasconcelos Correia, a partir de 1904, passou a poder usar o título de engenheiro, primeiro do serviço de tracção e, logo a seguir, como adido à Direcção-Geral da CP.

Dois anos após, ainda jovem, foi promovido a engenheiro-chefe dos serviços de movimento, e logo a seguir, em 1910, passou a engenheiro-chefe adjunto da divisão de exploração da companhia. Ainda nesse ano, por nomeação governamental, Vasconcelos Correia ascendeu ao desempenho de funções na administração da CP, cargo que desempenhou entre 1910 e 1921, transitando posteriormente, em 1922, para vogal da Comissão de Orçamento da Companhia e, em 1926, por proposta do então presidente do Conselho de Administração Rui Ennes Ulrich, foi chamado a desempenhar o cargo de vice-presidente do CA e da respectiva Comissão Executiva. Sete anos depois, em 1933, na sequência da saída de Rui Ulrich, entretanto nomeado embaixador de Portugal em Londres,

António Vasconcelos Correia foi elevado ao cargo de Presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da empresa, tendo desempenhado ambas as funções até 1947, data em que se reformou.
Considerado um especialista em transportes terrestres, deve salientar-se que Vasconcelos Correia fez parte daquele reduzido escol de engenheiros que, nos finais da década de 20, conjuntamente com a Associação Industrial Portuguesa, se lançou na concepção de um projecto de desenvolvimento industrial para o País com um enquadramento e propósitos a que já nos referimos em artigos anteriores.

É, aliás, neste contexto, integrado num ciclo de conferências promovido pela AIP, no decurso do qual surgem alguns dos nomes mais sonantes dos meios económicos e empresariais portugueses, que profere, em Junho de 1928, na Liga Naval, uma prelecção intitulada Caminhos de Ferro. Aqui tem oportunidade de equacionar a situação da nossa rede ferroviária, faz comparações com indicadores internacionais, escalpeliza minuciosamente as condições de funcionamento de todas as linhas existentes no território continental, analisa os tarifários vigentes, quer para passageiros quer os preços praticados no transporte de mercadorias, e, finalmente, faz propostas de melhoramento quer das infra-estruturas existentes, quer do material circulante4.

Mais tarde, em 1936, no decurso da I Sessão Legislativa, vamos encontrá-lo procurador à Câmara Corporativa, nomeado por deliberação do Conselho Corporativo para a vaga da 10.ª secção de Transportes onde foi substituir o engenheiro Joaquim José de Andrade e Silva, recentemente empossado como ministro das Obras Públicas e Comunicações5. Como procurador, Vasconcelos Correia, sem prejuízo de ter sido designado assessor da Presidência da Câmara Corporativa, presidente da 8.ª (electricidade) e 10.ª secções e vogal da 9.ª (construção e materiais de construção), 12.ª (crédito e seguros) e 21.ª (obras públicas e comunicações)6, apesar de ter subscrito alguns importantes pareceres, teve uma actuação relativamente discreta.
Saliente-se a sua posição na sequência da discussão da proposta de lei (de 1938), sobre um adicional que devia incidir sobre as tarifas ferroviárias, como resultado da crise porque passavam as companhias de caminhos de ferro devido ao aumento do custo internacional do carvão e dos metais7; no texto da proposta era defendido um aumento generalizado das tarifas para fazer face a uma conjuntura particularmente gravosa para as empresas. Sobre a proposta do Governo, submetida à apreciação da Câmara Corporativa, foi emitido um parecer de que foi relator Rui Ulrich que, por sua vez, mereceu da parte de Vasconcelos Correia algumas discordâncias que, quando da votação, vieram a ser levadas em linha de conta e ratificadas pelo plenário da Assembleia Nacional8.

Pouco depois, a 9 de Junho desse mesmo ano, é possível encontrar não só alguns dos argumentos então defendidos sob a forma de declaração de voto mas, sobretudo, um desenvolvido trabalho sobre a crise porque estava a passar a indústria ferroviária “certamente a mais grave e demorada de toda a sua existência”. Na conferência proferida na Sociedade de Geografia de Lisboa e denominada A Vida da CP desde o Convénio de 1894 – Dificuldades e Soluções9, produz uma bem documentada retrospectiva da evolução do sector em Portugal ou, como expressamente refere, “uma análise desapaixonada do passado que poderia, talvez, fornecer elementos susceptíveis de esclarecer factos que propositada, ou inconscientemente, têm sido interpretados de forma errónea”10, terminando a sua longa explanação com promessas de melhoramentos a introduzir no curto prazo, quer do ponto de vista da gestão corrente e estratégica da Companhia, quer no que se refere à melhoria do serviço de transporte prestado ao público11.

Ainda durante esta primeira legislatura, Vasconcelos Correia subscreveu, entre outros, três importantes pareceres: um relativo à que viria ser a lei n.º 1914, da Reconstituição Económica (1935), outro reportando à que seria a primeira lei do condicionamento industrial (1937) e um terceiro sobre o estatuto jurídico dos caminhos-de-ferro.

Nomeado, de novo, procurador à Câmara Corporativa na II Legislatura (1938-1942), integrou então a Secção de Transportes e Turismo, como representante das empresas ferroviárias e a Secção de Crédito e Previdência, em representação dos estabelecimentos de crédito, na qualidade de presidente do Grémio Nacional dos Bancos e Casas Bancárias. Além disso, foi novamente designado para assessor da Presidência da CC12 e nomeado presidente das secções de Minas, pedreiras e águas minerais, Indústrias metalúrgicas e químicas e de Electricidade e combustíveis13.

De igual modo, continuou a assegurar a representação da Ordem dos Engenheiros na CC, como reza o acórdão da Comissão de Verificação dos Poderes: “considerando que dos documentos enviados se vê que foi eleito presidente do conselho directivo da Ordem dos Engenheiros o engenheiro Sr. António de Almeida Vasconcelos Correia, não havendo qualquer dúvida respeitante quer à sua eleição, quer à atribuição legal, nos termos do artigo 6.º, alínea c), e do artigo 9.º do decreto-lei n.º 29 111, do direito e encargo de representar a sua Ordem na Câmara Corporativa”14.

Ao longo deste mandato subscreveu os pareceres relativos à electrificação rural do País (27 de Fevereiro de 1939), à proposta de lei acerca da exploração de pedreira (8 de Março de 1939), e o parecer respeitante à proposta de lei n.º 26 sobre a navegação para as Colónias (10 de Janeiro de 1939)15. Foi ainda relator do parecer subsidiário da secção de Transportes e Turismo consultada subsidiariamente sobre a base XII (relativa ao transporte e condições de transportes dos minérios) da proposta de lei relativa a fomento mineiro16.

Mais uma vez designado procurador da Câmara Corporativa na III Legislatura (1942-1945), António Vasconcelos Correia acumulou os cargos de assessor da Presidência da Câmara Corporativa e presidente da Secção de Minas, Pedreiras e Águas Minerais e da Secção de Electricidade e Combustíveis17. Durante estas sessões legislativas, a sua actividade mais relevante parece ter-se restringido à subscrição dos pareceres sobre as propostas de lei acerca da electrificação do País (24 de Outubro de 1944; lei a que já fizemos várias referências, elaborada pelo engenheiro Ferreira Dias, também ele presidente do Conselho Directivo da Ordem dos Engenheiros, entre 1945 e 1947) e a que se referia à coordenação dos transportes terrestres (2 de Maio de 1945).

Novamente procurador para IV Legislatura, de 1945 a 1949, foi assessor do Conselho da Presidência e presidente das Secções de Minas, Pedreiras e Águas Minerais e de Transportes e Turismo (29-11-1945)18. Nesta legislatura António Vasconcelos Correia apenas subscreveu o parecer relativo à proposta de lei sobre exploração portuária19.

Vasconcelos Correia desempenhou ainda alguns outros cargos de relevo, tendo sido administrador delegado e presidente do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Lusitânia (1911-1928), perito de transportes junto da delegação portuguesa à Conferência Internacional de Génova (1922), director e administrador do Banco Lisboa & Açores (1927-1954), presidente da Assembleia-geral da Companhia Agrícola Ultramarina (1930) e presidente do Grémio Nacional dos Bancos e Casas Bancárias.

António de Almeida Vasconcelos Correia que conduziu os destinos da Ordem dos Engenheiros nos primeiros anos da sua actividade, entre 20 de Janeiro de 1937 e 29 de Fevereiro de 1940, tendo sido efectivamente o seu primeiro Presidente, reformou-se em 1947 como Presidente do Conselho de Administração da CP. Em 1945, como prémio por uma vida de trabalho, foi agraciado com a Grã-cruz da Ordem do Mérito Industrial por ocasião do 50.º aniversário da sua entrada ao serviço da CP.

Morreu em Lisboa, com 74 anos, em 3 de Dezembro de 1956.

1 Suplemento ao Diário do Governo, I Série, de 24 de Novembro de 1936.
2 Cf. Relatório do Conselho Directivo da Ordem dos Engenheiros relativo ao ano de 1937, Papelaria Fernandes, Lisboa.
3 Idem e Relatório do Conselho Directivo da Ordem dos Engenheiros relativo ao ano de 1938, Papelaria Fernandes, Lisboa, 1939.
4 Vd. António Vasconcelos Correia, Caminhos de Ferro, Conferências promovidas pela Associação Industrial Portuguesa, Tipografi a da Sociedade Gráfi ca Portuguesa, Lisboa, s/d.
5 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 89, de 27 de Novembro de 1936.
6 Sessão da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa de 23 de Janeiro de 1937, Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 189, de 25 de Janeiro de 1937, p.1.
7 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, 10.º suplemento ao n.º 158, de 18 de Fevereiro de 1938.
8 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 160, de 23 de Fevereiro de 1938.
9 Cf. António Vasconcelos Correia, A Vida da C. P. desde o Convénio de 1984. Dificuldades e soluções, Conferência proferida na Sociedade de Geografia de Lisboa em 9 de junho de 1938, Lisboa, Oficinas Gráficas da C. P., 1938, p.6.
10 Ibidem.
11 Cf. op.cit., Considerações finais, pp. 108 a 115.
12 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 5, de 2 de Dezembro de 1938.
13 Idem.
14 Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes, Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 5, de 2 de Dezembro de 1938.
15 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 47, de 18 de Novembro de 1939.
16 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 45, de 13 de Março de 1939.
17 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 4, de 2 de Dezembro de 1942.
18 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, suplemento ao n.º 58, de 27 de Novembro de 1946.
19 Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 185, de 2 de Abril de 1949.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 93 - Maio/Junho de 2006

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