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Memória do Congresso 86 da Ordem dos Engenheiros (II)



Retomemos um artigo passado, onde era feita uma breve síntese sobre a história que se foi construindo durante mais de meio século, do envolvimento de Portugal nos movimentos de cooperação económica europeia que nasceram na Europa do pós II Guerra Mundial. Recordemos então que, em Março de 1977, o I Governo Constitucional entregou formal e solenemente o pedido de adesão de Portugal às Comunidades Europeias e que, quase dez anos passados, depois da assinatura do Tratado de Adesão, em 12 de Junho de 1985, no espaço imponente do Mosteiro dos Jerónimos, a 1 de Janeiro de 1986, o País viveu o seu primeiro dia na condição de membro das Comunidades.

Dada a importância do acontecimento, a Ordem escolheu este tema para mote da sua principal realização desse ano: (…) pela primeira vez, os engenheiros debateram e analisaram em profundidade os problemas decorrentes da nossa integração europeia, formalmente consumada em Janeiro de 19861.

Enfim, a Ordem assumia que se estava perante um momento a partir do qual tudo teria que ser reacertado e muitos dos pressupostos que, até à data, vinham orientando e contextualizando a vida e a actividade da engenharia nacional, tinham agora de ser reajustados e repensados à luz da posição e do novo estatuto do País na Europa e no Mundo. A evolução que aqui nos tinha conduzido representava um enorme ponto de viragem, aparentemente sem recuo, e representava, afinal, o regresso de Portugal à Europa, de onde nunca tinha saído, mas que os caprichos de uma história milenar fizera deambular por toda a Terra.
Haveria agora que agir em conformidade, preparar-se para as épocas que se anunciavam, para as transformações aceleradas que se prometiam, sem iludir a realidade, nem perder tempo. Era hora de mais uma vez os engenheiros procurarem o seu espaço, encontrando os meios e a forma de se adaptar e acompanhar o caminho e a passada de um País novo, preocupado com a sua inserção no Mundo, aberto aos novos contextos internacionais e às profundas mutações em curso.

Por tudo isso, os engenheiros portugueses reunidos no seu Congresso de 86 fizeram-no sob o grande lema d’ A Engenharia Portuguesa e a Integração na CEE: foram quatro dias de trabalho intenso, participado por mais de 1200 profissionais que produziram 125 comunicações sobre as diferentes temáticas em que a reunião estava organizada.
A inauguração do Congresso teve lugar no Teatro Maria Matos e contou com a presença do Presidente da República, Mário Soares, no dia 24 de Novembro de 1986. Foi nessa mesma sessão que a Ordem, entretanto a celebrar o seu 50.º aniversário, seria condecorada com o título de membro honorário da Ordem do Infante.

Quanto aos trabalhos do Congresso, no início, impunha-se um momento de reflexão, de apreciação das alterações pressentidas e que se anunciavam cada vez mais próximas e inevitáveis, decorrentes desse movimento amplo que tinha a ver com a integração de Portugal no projecto europeu e a vontade de acertar o passo com a Europa – (…) a modernização que se pretende atingir terá necessariamente de passar pela capacidade imaginativa ou de investigação, demonstradas pela engenharia portuguesa2.

Simões Cortez, vice-presidente Nacional em exercício proferiu a alocução de abertura, salientando que a Ordem, escolhendo esse tema virado para o futuro, pretendia integrar-se no grande debate que se iniciava no País demonstrando o seu interesse em participar activamente nas discussões sobre o desenvolvimento tecnológico nacional, ajudando a encontrar pistas para o relançamento da nossa actividade produtiva3.
A verdade é que a engenharia portuguesa se sentia já confrontada com os problemas resultantes da adesão e com algumas dificuldades que, gradualmente, com o apoio das autoridades portuguesas e comunitárias, foi conseguindo superar…

Antes de mais, a Comunidade Económica Europeia colocava à Ordem e, em geral, aos engenheiros portugueses o problema do reconhecimento dos seus diplomas no estrangeiro. A questão, agora revestida desse novo enquadramento europeu, surgia de forma preocupante, visto que nesse espaço económico que agora se nos abre (…) se pressupõe que há livre circulação de engenheiros e de empresas de engenharia.

Portanto, haveria, antes de mais, que garantir, no estrangeiro, que os graus de licenciatura passados pelas Escolas Portuguesas fossem reconhecidos como diplomas de fins de estudos. Desde o início da década de oitenta que, através da FEANI (Federação Europeia das Associações de Engenheiros), a Ordem vinha defendendo a equiparação dos graus de licenciado conferidos pelas escolas de engenharia portuguesas, aos das suas congéneres europeias.
A associação reconhecia, contudo, que eram as instituições de ensino nacionais quem devia assumir uma política, conjunta e uniforme, de reconhecimento de diplomas, tendo em conta o número de anos exigidos e a matéria versada nos respectivos curricula4.

Noutro registo, numa intervenção de fundo, o presidente da Região Sul da Ordem, engenheiro Sande de Lemos, dava as boas-vindas aos congressistas e apresentava-lhes as linhas mestras que deviam orientar o encontro, manifestando, em simultâneo, as enormes preocupações que atravessavam a sociedade portuguesa. Os engenheiros portugueses estavam, também eles, perante um enorme desafio, na exacta medida em que (…) está o nosso país ainda longe de se podes colocar em igualdade técnica, produtiva e comercial com os seus parceiros europeus5 e, perante a liberdade de circulação de mercadorias, de serviços e de capitais, perguntava Sande Lemos: como ultrapassar, “por cima”- os escolhos aqui muito genericamente expostos, como conseguir retirar as vantagens que estão subjacentes a um mercado aberto (…)? Como reduzir o fosso que nos separa das economias europeias?6
E, numa sesposta que parece inspirada naquelas que, em circunstâncias radicalmente diferentes, foram dadas por velhas glórias, antigos presidentes da Ordem, como Ricardo Teixeira Duarte (1950-52) ou Rodrigues Sarmento (1960-64), em que ressoam os discursos que semqre marcaram orgulhosamente a função social dos engenheiros ao longo da história: Cabe, sem dúvida, aos engenheiros portugueses um papel fundamental para que este desafio seja vencido. Os engenheiros portugueses são a mola real da produção, são os conhecedores da tecnologia da produção, são os orientadores do progresso produtivo, são mesmo os gestores das estruturas produtivas7. No encerramento, é ainda esta a tónica que ressalta; o engenheiro Oliveira Martins, Presidente Nacional da Ordem, com o mandato suspenso por ser na altura Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, afirmava a terminar a sua vasta intervenção: Nós, como engenheiros, podemos ser um poderoso fermento das transformações inadiáveis. Portugal merece-o bem8.

Na apresentação do tema geral do Congresso, o engenheiro Teixeira Lopo não deixa de invocar o papel que é exigido aos engenheiros portugueses responsáveis pelo aproveitamento no plano científico e tecnológico da ocasião única proporcionada pela adesão, de intensificação das ligações quer entre centros de investigação e universidades portuguesas e comunitárias, quer na participação directa do País nos múltiplos projectos europeus de desenvolvimento científico e tecnológico (…)9. E mais à frente, a propósito do título de engenheiro europeu, referia a actividade que a FEANI vinha desenvolvendo no sentido de promover, de forma articulada com a Comissão Europeia, uma directiva para a profissão de engenheiro; não para competir com os títulos académicos atribuídos pelos vários estados membros, adiantava Teixeira Lopo, mas para marcar um título profissional que uma vez definido se deveria tornar extensivo a todos os estados da CEE, a todos os países em que as respectivas associações profissionais fossem membros daquela Federação10.

As conclusões do Congresso são bem o reflexo do tipo de preocupações com que se debatia a classe e do sentido de responsabilidade social assumida pelos engenheiros nos alvores da adesão às Comunidades.

Depois de terem procedido ao debate exaustivo dos problemas que se colocavam à engenharia portuguesa e de avaliar o impacto de índoles diversas que representará a inserção de uma sociedade periférica como a portuguesa, no ambiente vertiginoso das sociedades pós industriais do centro europeu, tiraram como conclusão a necessidade de proceder a um enorme esforço de adaptação e mudança de mentalidades que a adesão imporá11.

Em termos gerais, é interessante notar como ainda hoje, vinte anos passados, estas conclusões se mantêm actuais: as questões ligadas à inovação tecnológica e à competitividade; a necessidade de formação permanente; as perspectivas que se abriam tendo em conta a existência de programas de acção comunitários de desenvolvimento; as preocupações cada vez mais prementes com a qualidade; as perspectivas que se abriam aos novos engenheiros e, como remate, mais que a afirmação, a convicção de que o papel da engenharia portuguesa é de primacial importância na correcção do desfasamento económico existente12.

Este Congresso de 86 da Ordem dos Engenheiros constituiu, de facto, um marco no processo de reflexão das elites portuguesas em relação à integração nas Comunidades Europeias e, de certa forma, ajudaram a reposicionar os engenheiros no processo português de desenvolvimento económico e social de que já tinham sido obreiros e protagonistas.

Em 1986, num contexto radicalmente novo, os engenheiros compreenderam que eram mais do que técnicos com uma competência específica: nesses momentos de reflexão que o Congresso proporcionou, como que redescobriram essa sua faceta e esse seu talento de construtores das sociedades.

1 “A Ordem ao serviço do País”, in Ingenium. Revista da Ordem dos Engenheiros, nº 5, Dezembro de 1986, p.6.
2 “Relatório e Contas do Conselho Directivo Nacional 1986. Orçamento para 1987 Plano de Actividades Parecer do Conselho Fiscal Nacional “ in Ingenium Revista da Ordem dos Engenheiros, n.º 9, Abril de 1986, p. 3.
3 “A Ordem ao serviço do País”, in Ingenium. Revista da Ordem dos Engenheiros, n.º 5, Dezembro de 1986, p.6.
4 Idem.
5 “A Ordem ao serviço do País”, in Ingenium. Revista da Ordem dos Engenheiros, n.º 5, Dezembro de 1986, p. 11
6 Idem
7 Idem, p. 12
8 Idem, p. 24
9 Idem, p. 42
10 Idem.
11 “Conclusões do Congresso 86”, idem, p.95.
12 Idem, p. 96


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 96 - Novembro/Dezembro de 2006

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