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IMPACTO DA PANDEMIA – A coisa não está fácil…

Artigo do Bastonário Carlos Mineiro Aires publicado na revista "Frontline", edição de 27 de julho de 2020

28 de Julho de 2020 | Geral



IMPACTO DA PANDEMIA – A coisa não está fácil… 

Volto à questão da evolução descontrolada da pandemia de Covid-19 e dos gravosos impactos da doença, sobretudo a nível económico e social. Estamos perante uma catástrofe sanitária de âmbito global, que não poupa países e ainda mal chegou às zonas mais pobres do planeta, onde, estou convencido, os impactos ainda serão mais devastadores, pela falta de infraestruturas e de recursos na prestação de cuidados de saúde, o que faz perspetivar que este combate está para durar, tanto mais que a inevitável retoma da mobilidade transcontinental irá assegurar a constante propagação do contágio. Os diferentes comportamentos dos países da comunidade internacional e dentro da própria União Europeia variam entre o inaceitável, como é o caso dos que deviam dar o exemplo, por serem mais desenvolvidos, e os que têm procurado encontrar soluções domésticas "à sua medida”, mais por falta de firmeza da liderança da OMS, que nunca conseguiu estabelecer e impor reações globais comuns e bem definidas como resposta única ao mesmo inimigo. 

Economia exposta ao turismo – Limitando-nos à geografia do nosso país, o que não deixa de ser uma avaliação pouco coerente, porquanto não podemos fugir a fatores externos, teremos de contar com o pior, desde logo pelo facto de a nossa economia estar altamente exposta ao turismo. Também já vimos com o que podemos contar por parte dos nossos amigos, sendo disso primeiro exemplo o nosso mais velho aliado, o Reino Unido, nesta data o país com mais casos de infeção da Europa e o terceiro a nível mundial, que considerou que Portugal não é destino seguro para os seus cidadãos. Não fora o facto de estar obrigado a recato editorial, muito teria a dizer sobre esta decisão. É certo que a União Europeia optou por um critério que tem a ver com o número de contágios recentes por 100 mil habitantes, o que acabou por penalizar-nos devido à recente evolução do número de contágios na Região LVT, que vieram colocar Portugal em 2.º lugar, logo atrás da Suécia, embora a significativa distância. Missões comerciais de empresários veem-se impedidas de viajar e participar em feiras e mostras internacionais e de efetuar e consumar novos contratos. 

As chamadas de atenção e as capas dos jornais e telejornais não escondem o impacto da pandemia: 50 mil jovens no desemprego, mais de 190 mil empregos destruídos, corrida de 80 mil cidadãos à Segurança Social, novos pobres da classe média a recorrerem aos centros de apoio alimentar, queda do PIB acima dos dois dígitos, com vaticínios sempre com limites alargados, porque ninguém arrisca a ficar mal visto na previsão. Inevitavelmente, os problemas começam a aparecer e sem fim à vista. 

Setores em crise – No turismo, setor que muito contribui para a nossa economia, em maio, as dormidas caíram 95,0%, o que só pode agravar-se pelo péssimo sinal que foi a proibição de entrada de turistas portugueses em diversos países europeus, o que, desde logo, induz desconfiança nos que pretendem visitar-nos. As exportações sofreram uma forte queda em Abril, de quase 40%, onde só a Espanha, França e Alemanha são responsáveis por mais de metade deste decréscimo. A TAP, que está em sérias dificuldades, é uma empresa que, quer queiramos quer não, é escolha prioritária dos portugueses, onde me incluo, pois gosto de me sentir em casa mal transponho a porta do avião, um sentimento que não consigo ter em outras companhias. A sua situação, que já era delicada, porque o negócio do transporte aéreo por razões concorrenciais e de oferta se transformou numa operação altamente otimizada, onde um cêntimo faz a diferença, tem sido favorecida pela fidelização, quer nas rotas domésticas, quer nas rotas da Lusofonia. Mas, à semelhança de sucedeu com quase todas as companhias aéreas, onde a sua dimensão relativa é despicienda, tem os seus 100 aviões praticamente parados, sem faturar e com encargos de leasing para cumprir, e uma preocupante situação sobre o futuro dos mais de 14 mil trabalhadores do Grupo, conforme ainda publicita no seu site, mas que hoje seguramente serão muito menos. Um grave problema económico e social, cujo desfecho certamente não será o melhor, mas que me custa perspetivar porquanto alguns dos que lá trabalham são amigos próximos. 

A EFACEC, empresa tecnológica nacional que emprega perto de duas centenas de engenheiros, também obrigou a uma intervenção de emergência do Estado que esperamos seja bem-sucedida. A par, teremos de reconhecer que desta vez a UE tentou prontamente desenhar e concertar mecanismos para apoio aos seus Estados-membros, cujo sucesso está dependente de uma unanimidade cada vez mais difícil de conseguir, pelo que, de crise em crise, vamos esfrangalhando o que resta da coesão do projeto europeu. 

Década de grandes investimentos – Estamos, assim, na iminência de entrarmos numa década de grandes investimentos, tendo sido debatido na Ordem dos Engenheiros se Portugal terá capacidade técnica e empresarial para conseguir gastar 45 mil milhões de euros, de onde resultou o óbvio: não temos. Depois da crise de 2008 e da destruição das maiores empresas nacionais (em particular da construção) e de mais de 300 mil trabalhadores terem abandonado a profissão, hoje não temos empresas suficientes, nem sequer mão de obra, o que continuará a suceder se não for invertido o nosso deficit demográfico, que obrigará a pôr fim aos baixos salários que são oferecidos a jovens qualificados com elevado potencial, tanto mais que a contratação pública continua a incentivá-lo quando privilegia os preços mais baixos. A fatia de leão destes investimentos irá, pois, parar às mãos das empresas estrangeiras, ao que já nos habituámos, mas que nos diminui.  

Neste quadro, também questiono se iremos ter tempo e condições para desenhar uma nova economia que torne o país competitivo e sustentável? Uma coisa é certa: o dinheiro não nasce do chão e só pode ser obtido a fundo perdido ou através de empréstimos remunerados. Assim, não tardará um novo sufoco e mais impostos. 

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