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O ensino superior de Engenharia em Portugal

Artigo da autoria do Bastonário Carlos Mineiro Aires publicado na última edição da revista "Frontline"

03 de Fevereiro de 2021 | Geral




"Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre.” (Eça de Queiroz)


Até março de 2006, quando o Processo de Bolonha foi implementado em Portugal, o ensino superior era, na generalidade, baseado em formações longas, como é o caso da Engenharia, com 6 anos e posteriormente com 5 anos de duração, que conferiam o grau de Licenciado, tal como sucedia com a generalidade das formações académicas. A par, existiam formações de ciclos mais curtos, direcionadas para formações profissionais específicas que então conferiam o grau de Bacharel, ministradas pelo que viria a ser o ensino politécnico, que soube seguir um percurso pautado por uma visão pragmática e mais direcionada para os mercados e interesses empresariais. As formações profissionais das escolas comerciais e industriais, que sempre permitiram a evolução para formações de nível superior, acabaram depois da revolução de abril de 1974, em parte devido a fundamentos ideológicos associados a alegados estigmas e segregações sociais, mas com resultados desastrosos, pois as soluções adotadas posteriormente nunca ultrapassaram o vazio que foi criado, apesar das apostas feitas na formação profissional cuja estabilidade e, quiçá, credibilidade, tiveram oscilações. 

O Tratado de Bolonha – Com o Tratado de Bolonha, criaram-se ciclos de estudos diferenciados, complementares ou não, caso dos mestrados integrados, sendo que o seu principal erro foi utilizar denominação única de "licenciados” para os detentores de 3 anos de formação e qualificações académicas manifestamente distintas dos anteriores licenciados de 5 e 6 anos. Aqui começou todo um imbróglio que, tudo leva a crer, apenas a finitude da vida resolverá. Assim, hoje temos distintos quadros de formação académica. No antigo regime legal, Bacharéis, Licenciados com 6 e 5 anos de formação académica e Mestrados complementares, com a duração habitual de 2 anos. No regime pós-Bolonha, Licenciados (de 3 anos) e Mestrados (4,5 anos de formação).  Há, ainda, que fazer a distinção entre os mestrados integrados, em que ao 1.º ciclo de 3 anos estava associada a formação complementar de mais 1,5 anos, pois o último semestre do ciclo de 5 anos é dedicado à preparação e defesa de uma tese, que passou a conferir o grau de Mestre. 

Quadro Nacional de Qualificações – A par, em 2009, o Estado português foi obrigado a estabelecer um Quadro Nacional de Qualificações (QNQ), onde o que está em causa não são títulos académicos, mas atribuições de qualificações profissionais. A portaria que estabeleceu o QNQ constitui uma das maiores injustiças e aberrações jurídicas, pois trata os cidadãos de forma desequilibrada e injusta, quando colocou os Licenciados "pré-Bolonha” (5 e 6 anos), os Licenciados "pós-Bolonha” (3 anos) e os antigos Bacharéis, no mesmo Nível 6, enquanto os Mestres "pós-Bolonha”, cuja formação curricular em nada difere dos antigos Licenciados, foram qualificados no Nível 7. Ou seja, quem estudou 5 ou 6 anos (10 ou 12 semestres, para analogia) e detém larga experiência profissional, foi posicionado ao mesmo nível profissional de quem estudou 3 anos ou é detentor do antigo grau de Bacharel. Tal atenta contra os legítimos direitos dos engenheiros licenciados "pré-Bolonha” que, pela sua formação, experiência e idade, ocupam lugares de destaque nas empresas e na Administração do Estado, para além dos problemas que causa à economia. 

Concursos internacionais – Com efeito, nos concursos internacionais que exigem formações de ciclo longo (mínimo 4 anos), questiona-se a validade e não se aceitam engenheiros com licenciaturas de 5 ou de 6 anos, com o argumento de que, de acordo com a lei portuguesa (QNQ), se tivessem formação profissional adequada também estariam no Nível 7. Como diz o povo, que tem sempre razão, o pior cego é aquele que não quer ver, e o Governo, apesar de múltiplas promessas vãs, nada faz para corrigir a situação. Mais recentemente, o Decreto Lei 65/2018 acabou com os mestrados integrados o que, para além dos impactos a nível interno, ainda virá lançar maior confusão no reconhecimento internacional e também no enquadramento no QNQ. 

Agora, após três anos de formação, passamos a ter licenciaturas em ciências de Medicina, ciências da Engenharia, etc., as quais, na sua maior parte, não habilitam ao exercício da profissão e agora só falta enquadrá-los no QNQ em igualdade com os licenciados pré-Bolonha (5 e 6 anos). Embora defendamos a mudança e a necessidade de adaptação aos constantes desafios que se colocam às instituições de ensino superior que formam excelentes quadros em Portugal, sobretudo na dificuldade de manterem em constante atualização os curricula de cursos evolutivos, caso das engenharias que estão em permanente desenvolvimento, o que requer uma maior flexibilidade, tal desiderato poderia ser alcançado de outra forma, não fora a intenção de contabilizar todos os licenciados para fins meramente estatísticos. 

Geração de novos licenciados – Ao criar expectativas profissionalizantes, o preâmbulo do diploma descarta nas associações profissionais a responsabilidade sobre eventuais não admissões desta 3.ª geração de novos licenciados, pois refere que "as regras habilitacionais a observar para o exercício das atividades profissionais reguladas continuam a ser definidas pelas respetivas ordens profissionais, nos termos legalmente previstos”. Reconhecendo a qualidade do ensino e dos quadros técnicos portugueses e da sua excelência, o que torna estes jovens alvo de cobiça internacional, apesar de todos terem um papel fundamental, saliento que os engenheiros são imprescindíveis para o quotidiano do país mas, sobretudo, para uma nova economia, inovadora, competitiva, digital e descarbonizada, capaz de criar bens transacionáveis de elevado valor, por forma a aproveitarmos o invulgar afluxo de financiamentos que marcará a década que agora se inicia. 

Saibamos, pois, aproveitar as novas gerações, para fazermos com que Portugal tenha um futuro substancialmente diferente.

Versão original do artigo disponível no website da Frontline »»»

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