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Dia Mundial da Engenharia

4 de Março de 2021

30 de Março de 2021 | Geral


A Resposta da Engenharia à Pandemia: Uma Visão Insular (Açores)

Por: João Quental Mota Vieira

Ponta Delgada, 04 de Março 2021


A epidemia denominada Covid-19 foi identificada na China em Dezembro de 2019. Foi declarada como pandemia pela OMS em Março 2020.

Nenhum país estava preparado para combater uma pandemia. Porém, nunca a humanidade esteve mais bem preparada para enfrentar uma crise sanitária mundial.

Tendo as ciências médicas o principal papel, as pandemias não são apenas doenças: são complexos fenómenos sociais, económicos, políticos, nos quais a tecnologia e, em particular, a engenharia têm uma intervenção decisiva.

No entretanto, recuemos na história e vejamos a gripe espanhola, chamada em Portugal de gripe pneumónica ou apenas "a pneumónica”.

A partir de Abril de 1918, principalmente a Europa foi assolada por uma doença epidémica, de diagnóstico incerto e confundida com outras doenças já conhecidas. No final de Maio, foi identificada como gripe.

Sem certeza, pensa-se que o local de surgimento da gripe espanhola tenha sido os Estados Unidos, tendo transitado para a Europa em soldados que se deslocaram em combate. Tal gripe ficou conhecida erradamente por "Gripe Espanhola”, pela razão que Espanha não fazia sigilo sobre as consequências da doença, ao contrário de outros países envolvidos na Grande Guerra.

A 1.ª vaga de gripe espanhola disseminou-se pelo mundo na Primavera de 1918, quando a Grande Guerra ainda estava em curso. No Outono, ocorre a 2.ª vaga da pandemia, a mais mortífera, consequência das comemorações do fim da guerra e das privações da própria guerra. A 3.ª vaga dá-se na 1.ª metade de 1919, intensificada com o retorno dos militares para os seus países no pós-guerra e extingue-se no início de 1920.

A epidemia de gripe espanhola transformou-se em pandemia com efeitos devastadores. Nenhum outro fenómeno provocou tantas vítimas em tão pouco tempo. Em 8 meses fez 20 a 50 milhões de mortos, sendo certo que terão morrido pelo menos 30 milhões.

Morreram mais soldados vítimas da gripe espanhola do que pelo conflito da Grande Guerra (1914-1918). A gripe é considerada pelo menos quatro vezes mais letal do que a própria guerra, que dizimou 5 milhões de militares e 4 milhões de civis.

No século XX ocorreram várias epidemias. Com excepção da gripe espanhola, nenhuma delas se transformou em pandemia. A pneumónica foi sem dúvida, até hoje a maior, a mais dramática e a mais mortífera.

Com excepção de poucas ilhas do Pacífico e da ilha de Santa Maria, nos Açores, toda a população mundial esteve exposta à doença. Cerca de 1/3 foi infectada (500 milhões). A taxa de letalidade (óbitos/ contaminados) foi entre 6 % a 8%.

Tal como no resto do mundo a pneumónica desenvolveu-se em Portugal através de três vagas, sendo a 2.ª vaga a mais letal.

Em Portugal Continental, entre Maio de 1918 e a Primavera de 1919 a epidemia de gripe espanhola provocou na ordem de 60 mil mortes, numa população de 5,5 milhões.

No Outono de 1918, a 2.ª vaga da epidemia ataca nos Açores, na ilha de São Miguel com grande intensidade. O vírus foi introduzido por tripulantes de um navio estrangeiro. Com o alastrar da epidemia há falta de medicamentos e de alguns bens alimentares. O apoio às populações pelas forças americanas da base aeronaval de Ponta Delgada foi importante para que o número de vítimas não fosse ainda maior.

No Arquipélago dos Açores a gripe espanhola terá feito cerca de 3 mil mortes em apenas 4 meses. A taxa de letalidade foi de 5%.

No Arquipélago da Madeira a gripe terá feito sensivelmente 1200 vítimas mortais.

À data as condições socioeconómicas de Portugal eram precárias. Com uma república recente, grande instabilidade, muita pobreza, população mal alimentada e com péssimas condições sanitárias onde grassavam várias epidemias. Havia falta de médicos e a prestação de cuidados públicos de saúde estavam entregues às Misericórdias.

Pouco ou nada existia para tratar a gripe. Como não havia vacina contra o vírus, o tratamento era feito para combater os sintomas.  Normalmente era receitado aspirina

A gripe espanhola teve impacto negativo nos níveis de actividade económica, emprego e rendimento nos países europeus e nos Estados Unidos. Quando a pandemia se inicia, a economia europeia tinha já sido exposta à Grande Guerra, havendo assim uma combinação de efeitos.

As estimativas indicam um impacto negativo da gripe espanhola de 6% no PIB mundial, sendo o quarto evento com maior impacto económico adverso desde 1870. Os três primeiros foram a 2.ª Guerra Mundial, a grande depressão dos anos 30 e a 1.ª Guerra Mundial.

Regressemos à actualidade.

Em 15 meses, desde Dezembro de 2019, em que foi notificado o primeiro caso de Covid-19 na China, 114 milhões de casos de infecção foram oficialmente diagnosticados, o que corresponde a 1,5% da população mundial. Contudo, é estimado que o vírus do Covid-19 tenha já infectado 10% da população mundial, cerca de 780 milhões de pessoas.

A pandemia já fez pelo menos 2,5 milhões mortos em todo o mundo, o que corresponde a uma taxa de letalidade na ordem de 2,2%.

Até hoje, comparativamente, estima-se que a pandemia de Covid-19 tenha infectado mais 50% de pessoas do que a pandemia de gripe espanhola, felizmente, com uma taxa de letalidade 2/3 inferior, o que se traduz em menos de 90% de mortos.

Em Portugal Continental o número de vítimas mortais é de 16 mil pessoas. Na Região Autónoma dos Açores o número de óbitos érnde 29 e na Região Autónoma da Madeira é de 64 mortes.

Ninguém verdadeiramente sabe em que etapa estamos da actual pandemia. Existe uma grande esperança nas vacinas, que parecem indicar que, numa primeira fase, não reduzindo a taxa de contágios, permite numa diminuição de 30% nas taxas de infecção mais graves. Se assim for, é de esperar, que felizmente, o mundo não será confrontado com um número de vítimas mortais tão elevado como na gripe espanhola. 

Do ponto de vista económico, o Banco Mundial prevê para a economia mundial um crescimento de 4,0% em 2021 e 3,8% em 2022, depois de uma recessão de 4,3% em 2020 devido à pandemia de Covid-19.

É inegável que estamos a viver momentos desafiantes, de grande incerteza e de profunda crise em alguns sectores importantes da economia. Apesar disso, há um conjunto de indicadores que permitem ter alguma esperança, sobretudo no médio prazo.

Como é isso possível?

É possível devido ao desenvolvimento socioeconómico, principalmente após a 2.ª Guerra Mundial, com uma aceleração tecnológica muito significativa desde os anos 90 do século passado.

A engenharia obviamente tem desempenhado um papel absolutamente decisivo nos actuais indicadores de bem-estar, ao desenvolver e implementar todo um conjunto de sistemas, de soluções, de inovações tecnológicas, que permitem, de entre outros, uma melhor saúde pública, uma melhor alimentação, melhor habitação, melhor saneamento básico, melhores transportes, melhores comunicações, melhores medicamentos, acesso a energia, um sem fim de melhorias, sem as quais parece impossível vivermos hoje.

Olhemos mais de perto para as vacinas contra o Covid-19. Como foi possível desenvolver em menos de 1 ano, quando na melhor das hipóteses deveria ter demorado um mínimo de 5 anos? Na verdade, as vacinas estavam a ser estudadas há décadas. A pandemia fez a urgência do desenvolvimento e licenciamento, com a engenharia a acelerar todo o processo. Foi, por exemplo, a existência de uma rede global de telecomunicações digital de alta velocidade, que permitiu uma intensa colaboração entre laboratórios, onde equipes de desenvolvimento cooperaram em permanência em diversos países e diferentes fusos horários. Uma vez aprovadas, a engenharia é crucial na produção das vacinas, na logística da sua distribuição e na gestão da sua aplicação.

Obviamente que a engenharia está presente no próprio desenvolvimento das vacinas, não só na investigação fundamental, mas também no desenvolvimento e manutenção de todo o suporte tecnológico que compõem os modernos laboratórios da indústria farmacêutica e dos laboratórios de biologia molecular dos testes PCR.

Actualmente, existem sectores económicos muito afectados com a pandemia, como sejam o turismo e a aviação, por exemplo. Não obstante, no seu todo a economia mundial tem demonstrado resiliência que poucos anteviam. Mesmo nos períodos de confinamento, foi possível em muitas actividades de serviços manterem a produção ao optarem pelo teletrabalho. Esta foi, igualmente, a alternativa para muitos serviços públicos e para a educação. Mais uma vez, a engenharia facultou os meios para tal, com sistemas informáticos, redes de computadores e software adequado ao teletrabalho.

Embora se tenha assistido ao colapso de alguns serviços públicos de saúde em vários países, devido a picos de procura absolutamente extraordinários, foi possível constatar uma resposta com ampliações de instalações hospitalares, mais camas, mais e melhores equipamentos de suporte avançado de vida. A engenharia esteve envolvida no provimento destas soluções, bem como no suporte e manutenção técnica das infraestruturas existentes, que foram solicitadas para além do seu dimensionamento.

É inegável que a actual pandemia tem evidenciado problemas sociais, acentuado os efeitos de uma distribuição assimétrica da riqueza mundial. No entanto, as tecnologias têm permitido atenuar muito dos efeitos adversos da crise sanitária. Conjuntamente com a injecção de liquidez e de apoios financeiros dos fundos de recuperação e resiliência, espera-se que a economia possa recuperar, num prazo de alguns anos, certamente com outro perfil em alguns sectores de actividade.

As tecnologias modernas, com progressos espectaculares no campo da virologia, da biologia molecular e da genética, tornaram possível o estudo do vírus actual e certamente dos futuros ainda em menos tempo, com a utilização de inteligência artificial e modelos de previsão.

Novas epidemias que se transformarão em pandemias irão certamente aparecer, sobretudo com a crescente e constante pressão humana nos habitats e ecossistemas, o que terá como consequência a transição de vírus desconhecidos de animais para os humanos, para os quais não temos imunidade. Num mundo global um vírus de fácil contágio terá condições para provocar uma nova pandemia.

Com opções políticas clarividentes, a engenharia terá uma intervenção decisiva para que o desenvolvimento socioeconómico futuro seja ambientalmente sustentável, com base numa economia verde e azul, nas energias renováveis, na investigação e desenvolvimento de tecnologias de descarbonização, no desenvolvimento da economia circular, assente na redução,reutilização, recuperação e reciclagem de materiais, o que, além da salvaguardadas condições de vida humana no planeta terra, certamente abrandará os efeitos de futuras pandemias de um qualquer vírus.

Estes objectivos absolutamente críticos para Portugal Continental e para as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, especialmente vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas, só serão conseguidos com a retenção e aplicação do saber técnico, quer na indústria, quer nos serviços, com a criação de condições objectivas para a fixação de jovens engenheiros, para que seja possível ultrapassar as fragilidades da especialização económica e industrial, que o país e as suas regiões padecem, como ficou amplamente demostrado, principalmente, nos primeiros meses da presente pandemia de Covid-19.



Vídeo do evento: https://youtu.be/d8QKRhnaQyA  

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