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O Provimento de cargos dirigentes na Administração Pública

Recentemente, realizaram-se no âmbito da Direcção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF) do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas, procedimentos de selecção de dirigentes intermédios, nomeadamente para os cargos de chefe de divisão para os Núcleos Florestais, Divisões de Caça e Pesca e Divisões Técnicas de Circunscrições Florestais. O diploma que estabelece o estatuto do pessoal dirigente dos serviços da administração central, regional e local do Estado, é a Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro.
Tal diploma consagra o princípio dos cargos dirigentes serem ocupados por escolha.
O artigo 2.º caracteriza como cargos dirigentes os cargos de direcção, gestão, coordenação e controlo dos serviços públicos.
A lei desdobra tais cargos em duas categorias distintas: cargos de direcção superior e cargos de direcção intermédia.
São, designadamente, cargos de direcção superior de 1.º grau: director-geral, secretário-geral, inspector-geral e presidente; e de 2.º grau os de subdirector-geral, adjunto
do secretário-geral, subinspector-geral, vice-presidente e vogal de direcção.
São, designadamente, cargos de direcção intermédia de 1.º grau o de director de serviços, e de 2.º grau o de chefe de divisão.
Temos, assim, que o cargo de chefe de divisão, sobre o qual incidirá este artigo, é um cargo de direcção intermédia de 2.º grau.
Em que termos a lei rege o recrutamento dos cargos de direcção intermédia? Já vimos que vigora o regime da escolha para os cargos dirigentes. Porém, a própria lei estabelece
critérios que vinculam a Administração, e que não podem, portanto, por esta, ser arredados.
Os artigos 20.º e 21.º contêm as normas pelas quais se rege o recrutamento, selecção e provimento dos cargos de direcção intermédia.
Determina o artigo 20.º:
“1 - Os titulares de cargos de direcção intermédia são recrutados de entre funcionários dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direcção, coordenação e controlo, que reunam, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Licenciatura;
b) Aprovação no curso de formação específica previsto no artigo 12.º;
c) Seis ou quatro anos de experiência profissional em carreiras para cujo provimento seja legalmente exigível uma licenciatura, consoante se trate de cargos de direcção intermédia de 1.º ou 2.º grau, respectivamente.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a área de recrutamento para os cargos de direcção intermédia de unidades orgânicas cujas funções sejam essencialmente asseguradas por pessoal integrado nas carreiras técnicas é alargada a pessoal destas carreiras, ainda que não possuidores de licenciatura (sublinhado nosso).
3 - Quando as leis orgânicas expressamente o prevejam, o recrutamento para os cargos de direcção intermédia pode também ser feito de entre funcionários integrados em carreiras específicas dos respectivos serviços ou organismos, ainda que não possuidores de curso superior.”
Portanto, os funcionários escolhidos para cargos de direcção intermédia têm de possuir, cumulativamente: licenciatura, curso de formação específica e seis ou quatro anos de experiência profissional em carreiras para cujo provimento seja legalmente exigível uma licenciatura (nos termos do n.º 6 do artigo 35.º, o curso de formação específica não constitui requisito de recrutamento durante o período transitório de três anos, portanto até 31 de Janeiro de 2007).
Contudo, a lei alarga a possibilidade de exercício daquelas funções a outros funcionários que não possuam licenciatura.
Mas, tal excepção (ao requisito de licenciatura), só pode verifi car-se em determinadas condições:
a) Os candidatos têm de estar integrados em carreiras técnicas;
b) As funções das unidades orgânicas a dirigir têm de ser essencialmente asseguradas por pessoal integrado também nas carreiras técnicas.
Significa que Engenheiros (licenciados) e Engenheiros Técnicos (bacharéis ou equiparados por lei) estão em pé de igualdade no recrutamento para director de serviço e para chefe de divisão?
A resposta é: Não! Se tal o quisesse, o legislador não teria feito, como fez, uma divisão entre o preceito do n.º 1 e o preceito do n.º 2 (ter-se-ia limitado a acrescentar na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º a “Licenciatura” o Bacharelato, ou simplesmente diria: Curso superior. Mas não foi isso que o legislador quis, antes pelo contrário, pretendeu deixar clara a destrinça).
A lei consagra mais do que uma preferência pelos Engenheiros, os quais são titulares de licenciatura (requisito essencial), pelo que, em qualquer procedimento de selecção de dirigentes intermédios, têm primazia face aos Engenheiros Técnicos.
Atente-se, ainda, que o legislador (a Assembleia da República) reforça o estatuído no n.º 1 ao começar a redacção do n.º 2 do artigo 20.º, pela expressão: “Sem prejuízo do disposto no número anterior...”. De tal locução infere-se que a disciplina exposta no n.º 2 não afasta a do n.º 1, antes a respeita na sua posição primordial. Havendo opositores que possuam cumulativamente os requisitos indicados no n.º 1, tal afasta a possibilidade de recrutamento prevista no n.º 2. Admitir outra solução é ir contra a finalidade e sentido das normas.
Então, o legislador não permite que Engenheiros Técnicos (não licenciados) possam candidatar-se a directores de serviço e a chefes de divisão? Em determinados casos
permite:
a) Quando não haja Engenheiros (licenciados);
b) Havendo-os não tenham a experiência profissional requerida para o cargo (seis ou quatro anos na carreira técnica superior);
c) Havendo-os, estes não queiram concorrer.
Não oferece dúvidas de que a lei estabelece uma hierarquia no acesso aos cargos de direcção intermédia. Assim:
1.º - Os que tenham licenciatura (é o regime regra – art.º 20.º n.º 1), no caso os Engenheiros;
2.º - Os que não tendo licenciatura, no caso os Engenheiros Técnicos, e nas unidades orgânicas cujas funções sejam essencialmente asseguradas por pessoal integrado nas carreiras técnicas (casos excepcionais - art.º 20.º n.º 2);
3.º - Os que não possuam curso superior e as leis orgânicas dos serviços expressamente o prevejam (casos ainda mais excepcionais - art.º 20.º n.º 3).
Num dos núcleos florestais (Dão Lafões) abrangidos pelo procedimento de recrutamento para chefe de divisão, trabalham 2 Engenheiros Florestais e 3 Engenheiros Técnicos Agrários. Para o efeito, é o pessoal que importa aqui considerar.
As funções daquele núcleo são, assim, desempenhadas por Engenheiros e Engenheiros Técnicos.
Para chefe de divisão do Núcleo Florestal de Dão Lafões candidataram-se, entre outros, 3 Engenheiros (carreira técnica superior), um dos quais com a categoria de Técnico Superior Principal (reclassificado em Assessor) e um Engenheiro Técnico Agrário (ETA), com a categoria de Técnico Especialista Principal (carreira técnica).
Tal Engenheiro havia desempenhado já o cargo de chefe de divisão durante cerca de 4 anos na Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior, tendo, portanto, perfil e experiência comprovada em cargos de direcção intermédia. Reunia todas as condições previstas no artigo 20.º para ocupar o referido cargo: licenciatura, 17 anos de experiência profissional no sector florestal, tendo percorrido, da base ao topo, todas as categorias da carreira técnica superior, perfil e comprovada competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direcção, coordenação e controlo.
O ETA havia sido nomeado, em regime de substituição, chefe de divisão daquele núcleo florestal. E... acabou por ser ele o escolhido para o cargo.
Aparentemente, pode parecer lógica a nomeação, pois se vinha já desempenhando o cargo em regime de substituição, poderia também desempenhá-lo, por despacho de nomeação definitiva. Sucede, porém, que, a nomeação em regime de substituição não foi legal. É que, nos termos legais, só há regime de substituição quando o cargo perca o titular, designadamente por ausência, impedimento ou vacatura. Ora, nada disto aconteceu, ou sequer podia ter acontecido, porque o cargo criado nunca teve titular.
O despacho de nomeação definitiva, ao preterir (pelo menos) um Engenheiro que reunia todos os requisitos legais para o cargo, é também ilegal. Volta, assim, a ser violada a lei ao não serem obedecidos os comandos normativos que, no mínimo, mandam dar preferência aos licenciados na tal hierarquia no acesso aos cargos de direcção intermédia. A escolha não pode
ser discricionária, tem de ter em conta os preceitos legais.
Aliás, dos 21 núcleos florestais do País, só um houve que não teve candidatos licenciados (e aqui é legal que seja nomeado um ETA). Nos restantes, com excepção de 3 núcleos em que foram nomeados Engenheiros Técnicos Agrários, todos os cargos de chefes de divisão foram ocupados por Engenheiros.
Por outro lado, não é aceitável a justificação (aliás, única) dada ao Engenheiro, em nome do Director-Geral dos Recursos Florestais, que foi: “...relativamente à sua candidatura para o cargo acima referido, esta não foi considerada, dado não se enquadrar no perfil pretendido, com vista ao prosseguimento das atribuições e objectivos deste serviço (n.º 2 do art.º 21.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro).”
Como é possível invocar falta de perfil a alguém que é Engenheiro, tem 17 anos de experiência profissional na área a que se candidatou, tem completo conhecimento interno das diversas unidades orgânicas da DGRF, percorreu da base ao topo toda a carreira técnica superior com competência e as melhores classificações de serviço, tendo mesmo desempenhado, durante 4 anos, o cargo de chefe de divisão no sector?
O princípio da escolha para cargos dirigentes tem limites legais que não podem ser ultrapassados, logo, não podem ser arbitrários.
É muito importante que os Engenheiros dêem, atempadamente, conhecimento à Ordem, de casos desta natureza, pois, só assim, será possível uma intervenção eficaz junto dos poderes públicos.

Publicado na Revista Ingenium N.º 86 - Março/Abril de 2005

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