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Os Constrangimentos da Reabilitação Urbana

Os Constrangimentos da Reabilitação Urbana

Nos últimos anos, a reabilitação de edifícios como alternativa à construção nova, passou a estar presente na agenda política, com objectivos de largo alcance: criar habitações em zonas sem população residente, mudar a imagem do património imobiliário degradado e optimizar os equipamentos e infra-estruturas existentes. Apesar da vontade política e da actualidade do tema, o caminho a percorrer continua difícil e a velocidade é inferior à desejada.
Não é apenas por se enunciar um desejo que o mercado muda, embora se tenham tomado importantes decisões políticas que irão contribuir para a concretização desse objectivo, nomeadamente, a alteração do regime fiscal da Sisa e da Contribuição Autárquica, a constituição das Sociedades de Reabilitação Urbana e, mais recentemente, a intenção de alterar a Lei do Arrendamento.Mas, para além da vontade política, o mercado, os procedimentos enraizados e a legislação em vigor, enfermam de vários constrangimentos que dificultam a inversão do modelo de se privilegiar a construção nova face à reabilitação.Não basta o investimento público, designadamente dos municípios, para se alterarem as tendências, a iniciativa privada é imprescindível, normalmente motivada por incentivos económicos, a que acrescentarei a valorização da qualidade pelos consumidores.O que está em causa é o modelo de desenvolvimento que depende de medidas políticas, económicas e técnicas.O que assistimos em Portugal nos últimos 50 anos, foi a adopção de medidas que têm favorecido a construção nova face à reabilitação e à conservação de imóveis, e muitas são implementadas através das dificuldades criadas pelos organismos que deveriam promover a reabilitação.  A actividade imobiliária assenta em dois negócios: a urbanização de terrenos resultante da transformação do terreno rústico em urbano, com o inerente direito de construção, valorizado em m2 de Abc por m2 de terreno; e a construção de edifícios nos lotes constituídos. A obtenção destas mais-valias, na parte urbanística, não existe na reabilitação urbana, e resulta de alterações legislativas implementadas em Portugal nos últimos 40 anos.No final da década de 60, verificava-se uma grave carência habitacional. Entre 1970 e 2001, foi registado um acréscimo de 68% no número de fogos destinados a habitação permanente.Até 1974, cerca de 50% da construção de habitações era destinada ao mercado de arrendamento. O congelamento das rendas, acompanhado de uma elevada inflação, gerou a falta de confiança dos agentes do mercado, determinando a ausência de fogos para esse mercado, sendo preferível manter as habitações vagas, mas a valorizarem-se. Estima-se que existam mais de 500.000 habitações não utilizadas. A gradual retirada destas habitações do mercado contribuiu para aumentar a pressão urbanística e, em consequência, a classificação do solo rústico em urbano e a crescente valorização deste.Da fase da estatização do solo, no que concerne ao direito do urbanismo e da construção, em que a Administração Pública detinha o monopólio da urbanização, centralizada na Direcção Geral de Urbanização, passámos, gradualmente, a partir de meados da década de 60, à abertura à iniciativa privada regulada pelos municípios. Em 1965, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 46.673, relativo à concessão às autoridades administrativas dos meios legais que as habilitavam para exercer eficiente intervenção nas operações de loteamento urbano, referia “Em várias regiões do País em que se está processando intenso desenvolvimento urbanístico, tem sido verificada com frequência crescente, actividade especulativa de indivíduos ou de empresas, visando o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana”.Em 1970, foi publicado o Decreto-Lei n.º 576/70, do qual não resisto a retirar as seguintes passagens “O encarecimento dos terrenos conduz a soluções técnica e socialmente inapropriadas, tais como a implantação de bairros em zonas afastadas, que origina inconvenientes de vária ordem, desde o desordenado crescimento de infra-estruturas urbanísticas e dos equipamentos sociais, até ao excessivo afastamento dos locais de trabalhos dos habitantes… Também os elevados valores atingidos pelos terrenos levam ao seu máximo aproveitamento, ultrapassando os limites adequados na densidade de ocupação do solo“.Por ausência de Planos de Ordenamento a diferentes níveis, a utilização das operações de loteamento avulso, sem enquadramento em planos de urbanização e de pormenor, vieram, gradualmente, descaracterizar a paisagem. Neste quadro avulso, o acto administrativo passou a ser um bem valioso. Recordo que, embora a formulação dos Planos Directores Municipais tenha aparecido em 1979, a sua concretização só teve lugar na década de 90, com excepção de um reduzido número anteriormente aprovado.Para agravar a pressão urbanística, a Lei das Finanças Locais veio conceder aos Municípios os impostos resultantes da actividade imobiliária, designadamente, a SISA e a Contribuição Autárquica. Quanto mais se construísse, maior seria a receita fiscal pontual e a renda vitalícia, sob a forma de imposto sobre o património.Mas se este incentivo está bem patente na nova edificação, em contrapartida o incentivo para a reabilitação foi de sinal contrário. Em vez de centralizarmos as operações de licenciamento para as intervenções de reabilitação ou de conservação, apoiando e incentivando todos os que se dispunham a tal, constituíram-se organismos, que deveriam apoiar e facilitar a reabilitação, mas que acabaram por ser vistos como especialistas em criar dificuldades, funcionando como quintas, com perspectivas sectoriais. E o que dizer da política de classificação de imóveis, com origem nos anos 40, que penaliza quem teve a ousadia de promover edifícios de qualidade, seleccionando bons projectistas e construtores. A partir dessa classificação, o imóvel passou a ter um conjunto de obrigações sem incentivos ou benefícios, que justifiquem o prejuízo. Enquanto o vizinho do lado, que promoveu um “mamarracho”, poderá mais tarde demoli-lo e fazer uma construção nova, com todos os benefícios que daí decorrem, o que teve a “pouca sorte” de escolher a qualidade vê-se penalizado, porque, com a classificação, passou a ter um imóvel que também é de todos nós, sem, contudo, o termos pago. Ou, noutra vertente, a penalização das intervenções em zonas históricas em que os proprietárias têm que suportar os custos com as pesquisas arqueológicas, mesmo sobre áreas que se encontram expectáveis desde há dezenas de anos, e como tal, possíveis de pesquisar.Estamos a dar passos positivos, mas, parece-me óbvio que, ou as entidades que estão interessadas neste processo se unem e verticalizam a decisão, agilizando as decisões para concorrerem com a construção nova, garantindo mais facilidades no licenciamento, ou continuaremos a fazer depender a reabilitação das iniciativas das entidades públicas, o que é manifestamente insuficiente. O actual sistema deverá merecer, por parte das entidades responsáveis, alguma reflexão, sob pena de continuarmos a discutir estas matérias por muitos anos.Fernando Santo
Bastonário da Ordem dos Engenheiros

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