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Posição da Ordem dos Engenheiros Sobre a Contratação de Projectos

Concurso de Concepção

O “concurso de concepção” encontra-se previsto e regulado no Capítulo I, do Título IV (“Instrumentos procedimentais especiais”), da Parte II (“Contratação Pública”) do CCP e tem como finalidade primordial “a selecção de um ou de mais trabalhos de concepção, ao nível de estudo prévio ou similar, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitectura, da engenharia ou do processamento de dados” (artigo 219.º, n.º 1 do diploma em referência).

Trata-se de uma espécie de “concurso de ideias”, onde a identidade dos concorrentes só pode ser conhecida e revelada depois de elaborado o relatório final do concurso, qualquer que seja a modalidade adoptada (artigo 228º, nº 1 do CCP), onde pode haver prémios de participação [artigo 226.º, n.º 1, alínea i) e 233.º, n.º 2 do CCP] e prémios de consagração aos concorrentes seleccionados [artigo 226.º, n.º 1, alínea m) e 233.º, n.º 2 do CCP].

O “concurso de concepção” não visa adquirir um projecto ou um plano, pois não tem por finalidade a celebração de um contrato de prestação de serviços com um conteúdo de especial natureza intelectual e técnica (a obtenção de um estudo prévio). Tem sim por finalidade a selecção de um ou mais trabalhos de concepção, com ou sem pagamento de prémios, e não a celebração de um contrato de prestação de serviços, após apresentação de propostas, decisão de adjudicação e mediante o pagamento de um preço.

Na realidade, no “concurso de concepção” não são apresentadas propostas por parte dos concorrentes; são apresentados documentos que materializam os trabalhos de concepção; não é tomada pela entidade adjudicante uma decisão de adjudicação, mas antes uma decisão de selecção; não é celebrado qualquer contrato de prestação de serviços, podendo ou não ser pagos aos concorrentes seleccionados um prémio de consagração e/ou de participação.

O “concurso de concepção” não é, assim, passível de se confundir com um procedimento público prévio à celebração de um contrato de prestação de serviços consubstanciado na aquisição de projectos.

De facto, enquanto o “concurso de concepção” visa a obtenção de ideias/criações apresentadas anonimamente por concorrentes, o procedimento público destinado à celebração de um contrato de aquisição de projectos visa (num passo à frente) a aquisição de elementos (“projectos”) que podem (ou não) ser a concretização e desenvolvimento daquelas ideias/criações.

Das normas existentes sobre “concurso de concepção” não resulta que este tenha que ser seguido da concretização ou desenvolvimento das ideias/criações seleccionadas através de projectos a adquirir mediante o recurso a um subsequente procedimento pré-contratual público, ainda que de ajuste directo, e da celebração do correspondente contrato de aquisição de serviços.

O concurso de concepção não se trata de um procedimento pré-contratual especial, mas antes uma configuração específica, para determinadas situações, de procedimentos pré-contratuais gerais não se lhe aplicando o regime geral do CCP, mas o regime especial previsto nos artigos 221.º a 236.º do CCP.

No nosso entendimento à luz do CCP não é obrigatório o recurso ao “concurso de concepção” na contratação de projectos. Não apenas porque esse não constitui o seu objecto ou finalidade, mas também porque, em nossa opinião, não é isso que decorre da interpretação conjugada das normas do CCP.

Nos termos do artigo 219.º, n.º 2 do CCP, “Quando a entidade adjudicante pretenda adquirir por ajuste directo, adoptado ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 27.º, planos, projectos ou quaisquer criações conceptuais que consistam na concretização ou no desenvolvimento dos trabalhos de concepção referidos no número anterior, deve previamente adoptar um concurso de concepção nos termos previstos no presente capítulo”.

Além deste normativo servir para evidenciar que os trabalhos de concepção propriamente ditos não se confundem com os planos, projectos ou criações conceptuais (que, neste caso, os concretizam ou desenvolvem), serve sobretudo para concluir que a existência de um concurso de concepção prévio à aquisição de projectos apenas é obrigatória quando:

(i) Esteja em causa a aquisição de projectos que sejam a concretização/desenvolvimento de um trabalho (intelectual/criativo) de concepção; e, cumulativamente;

(ii) A entidade adjudicante pretenda adquirir tais projectos mediante o recurso ao ajuste directo sem quaisquer limitações ao valor do contrato a celebrar.

Esta hipótese está consagrada no artigo 27.º, n.º 1, alínea g) do CCP que estabelece os critérios materiais que justificam a opção pelo ajuste directo nos contratos de aquisição de serviços (sem limitações ao respectivo valor) e de acordo com o qual este procedimento pode ser adoptado quando o contrato, na sequência de um concurso de concepção, deva ser celebrado com o concorrente seleccionado ou com um dos concorrentes seleccionados nesse concurso, desde que tal intenção tenha sido manifestada nos respectivos termos de referência e de acordo com as regras neles estabelecidas.

Note-se que, neste caso, a intenção do recurso ao ajuste directo para a celebração do referido contrato de prestação de serviços deve obrigatoriamente constar dos termos de referência do concurso de concepção – artigo 27.º, n.º 1, alínea g) e artigo 226.º, n.º 1 do CCP.

Entendemos pois que, na ausência de disposição específica constante do CCP em sentido contrário e atendendo às normas do CCP relativas à escolha do procedimento constantes dos Capítulos II, III e IV do Título I da Parte II, nos demais casos de aquisição de projectos – isto é, no casos em que estes (i) ou não concretizam/desenvolvem um trabalho de concepção prévio ou (ii) concretizam tal trabalho, mas a entidade adjudicante não quer recorrer ao ajuste directo nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea g) do CCP –, a escolha do procedimento pré-contratual estará sujeita às demais normas do CCP.

Ou seja, a entidade adjudicante poderá escolher o procedimento de acordo com os critérios legais estabelecidos, nomeadamente, no artigo 20.º do CCP – que limita o valor dos contratos consoante o procedimento escolhido – ou nos artigos 24.º a 27.º do CCP – que estabelecem critérios materiais de opção, sem limitação de valor do contrato.

Assim sendo, consoante o caso concreto, poder-se-á contratar a aquisição de projectos na sequência de (i) ajuste directo, (ii) concurso público, (iii) concurso limitado por prévia qualificação, (iv) procedimento de negociação ou (v) diálogo concorrencial.

Portaria N.º 701-H/2008, de 29 de Julho

A Portaria n.º 701-H/2008 veio aprovar, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 7 do CCP (o qual é apenas aplicável à formação de contratos de empreitada de obras públicas), o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução a que se referem os n.º s 1 e 3 do mesmo artigo, bem como os procedimentos e normas a adoptar na elaboração e faseamento de projectos de obras públicas, designados como instruções para a elaboração de projectos de obras.

Embora a Portaria em apreço tenha sido aprovada para desenvolvimento de um artigo do CCP que apenas se aplica aos contratos de empreitada de obras públicas – seja nas situações em que os projectos de execução são apresentados pelo dono da obra, seja nas situações em que os projectos de execução são apresentados pelos concorrentes –, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1 da mesma, as suas disposições “aplicam-se aos casos em que o dono da obra, a entidade responsável pela concepção e execução da obra ou a entidade adquirente de serviços de elaboração de projectos de obras públicas sejam entidades adjudicantes, nos termos previstos no artigo 2.º do CCP(...)”. O mesmo é dizer que a Portaria em análise se aplica também às situações de aquisição de projectos de obras públicas, fora do âmbito da contratação de empreitadas de obras públicas.

Nos termos da Portaria n.º 701-H/2008, o “programa” mencionado no artigo 43.º do CCP equivale ao “programa preliminar” definido no artigo 1.º, alínea n) do seu Anexo I como “o documento fornecido pelo Dono da Obra ao Projectista para definição dos objectivos, características orgânicas e funcionais e condicionamentos financeiros da obra, bem como dos respectivos custos e prazos de execução a observar: corresponde ao programa previsto no artigo 43.º do CCP”.

Por seu lado, o “projecto de execução” é, de acordo com o disposto na alínea t) do artigo 1.º do Anexo I da Portaria n.º 701-H/2008, “o documento elaborado pelo Projectista, a partir do estudo prévio ou do anteprojecto aprovado pelo Dono da Obra, destinado a facultar a todos os elementos necessários à definição rigorosa dos trabalhos a executar”.

Na medida em que a definição de “projecto de execução” menciona a existência de um “estudo prévio” ou “anteprojecto” aprovado pelo Dono da Obra (que podem ter subjacentes igualmente um “programa-base”), coloca-se também aqui a questão de saber se, para a contratação da aquisição de um projecto é necessário que o dono da obra, a entidade adjudicante, lance mão de um “concurso de concepção” com vista a, previamente, obter aqueles elementos.

Também aqui entendemos que não.

Efectivamente, o “estudo prévio” referido na Portaria n.º 701-H/2008 equivale ao “documento elaborado pelo Projectista, depois da aprovação do programa base, visando a opção pela solução que melhor se ajuste ao programa essencialmente no que respeita à concepção geral da obra” [artigo 1.º, alínea j) do Anexo I da Portaria].

Trata-se, em suma, de uma das fases do procedimento de realização de um “projecto” que, de acordo com n.º 1 do artigo 3.º do Anexo I da Portaria em referência, se desenvolve pelas fases (i) do programa base, (ii) do estudo prévio, (iii) do anteprojecto e (iv) do projecto de execução e assistência técnica, podendo, algumas delas, ser dispensadas de apresentação formal, por especificação do caderno de encargos ou acordo entre o dono da obra e o projectista.

Ora, ainda que se defenda que o conceito de “estudo prévio” referido na Portaria não equivale ao conceito de “estudo prévio ou similar” que é objecto do “concurso de concepção” previsto no CCP chegar-se-á sempre à mesma conclusão: o objecto e finalidade do concurso de concepção não é, nem pode ser, a aquisição de um projecto.

É também de assinalar que, caso se esteja no âmbito de um procedimento pré-contratual para a celebração de uma empreitada de obra pública e o dono da obra não tiver meios humanos e técnicos para a elaboração de um projecto de execução (obrigatório nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do CCP), uma de duas situações se pode colocar:

O mesmo, antes de iniciar o procedimento pré-contratual para a celebração do contrato de obra pública, deverá iniciar um procedimento pré-contratual para a aquisição no mercado do projecto de execução, procedimento que será escolhido e tramitado nos termos supra referidos (não tendo que ser antecedido de “concurso de concepção”); ou

“Em casos excepcionais devidamente fundamentados, nos quais o adjudicatário deva assumir, nos termos do caderno de encargos, obrigações de resultado relativas à utilização da obra a realizar, ou nos quais a complexidade técnica do processo construtivo da obra a realizar requeira, em razão da tecnicidade própria dos concorrentes, a especial ligação destes à concepção daquela, a entidade adjudicante pode prever, como aspecto da execução do contrato a celebrar, a elaboração do projecto de execução, caso em que o caderno de encargos deve ser integrado apenas por um programa” (artigo 43.º, n.º 3 do CPC).

Neste último caso, caberá aos concorrentes apresentar nas suas propostas um estudo prévio (artigo 57º, nº 2, al. c) do CCP).

A Definição Legal de Projecto. Projecto é mais do que a Arquitectura, é um Todo Coordenado

No termos legais entende-se por projecto (conceito base) “o conjunto coordenado de documentos escritos e desenhados, integrando o projecto ordenador e demais projectos, que definem e caracterizam a concepção funcional, estética e construtiva de uma obra, bem como a sua inequívoca interpretação por parte das entidades intervenientes na sua execução” (sublinhado nosso).

Tal definição foi assumida (finalmente) pelo legislador na Lei n.º 31/2009 de 3 de Julho (art.º 2.º), que aprova o regime jurídico que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra.

Ora, atendendo às razões supra expostas e ao conceito legal de projecto não se compreende que se promovam concursos de concepção exclusivamente de arquitectura. Se há concurso de ideias (procurar uma ideia) então qualquer cidadão pode concorrer com a sua; mas se o concurso for de soluções técnicas, caso em que a arquitectura é apenas uma das componentes – ainda que possa ser a ordenadora da solução – carece, por isso, de ser obrigatoriamente complementada pelas componentes de engenharia que, em conjunto coordenado, lhe darão a sustentabilidade e por conseguinte a credibilidade necessárias.

Face ao exposto a Ordem dos Engenheiros entende que a contratualização de um projecto na perspectiva da contratação pública, por via de um concurso de concepção ou por via das outras modalidades previstas no CCP, deveria ter em conta o supra exposto e o seguinte:

1.º Não é condição indispensável à contratação da aquisição de projectos o recurso a um concurso de concepção nos casos em que não exista estudo prévio. E não é necessário esse recurso, dentro e fora do âmbito específico de aplicação do artigo 43º do CCP.

2.º O CCP deve ser lido, na parte que concerne aos concursos de concepção (como noutras), como regra de aplicação a situações diferentes e não de aplicação apenas a “projectos de obras”. Quando aplicado a este tipo de projectos, deverão as suas disposições ser interpretadas adaptando-as às disposições específicas deste tipo de prestação de serviços.

3.º As disposições legais sobre concursos de concepção aplicam-se a diferentes naturezas de “concepções”: poderemos falar de “ideias” para intervir sobre um território, poderemos falar de “ideias” para um monumento e, entre mais algumas outras, poderemos falar de um concurso para elaboração de um estudo prévio de uma construção qualquer.

4.º O concurso de concepção não deve ser exclusivamente de arquitectura; o projecto é um todo coordenado.

5Se há concurso de ideias então qualquer cidadão pode concorrer (e vencer) com a sua. Não há a obrigação de contratar a elaboração do projecto ao autor da ideia. Antes permitirá ao promotor promover um concurso para que técnicos habilitados elaborem os projectos (as soluções técnicas) a que houver lugar para se fazer a obra respectiva.

6.º De um concurso deste tipo resultará, certamente, um (ou parte de um) “programa preliminar” que servirá posteriormente para desencadear a contratação de um projecto técnico se houver que fazer obra civil. Nesta circunstância, quem der corpo à ideia inicial poderá nada ter que ver com o autor da ideia.

7.º Se, porém, o concurso for de soluções técnicas (partindo o processo de uma ideia já existente – programa preliminar), já se terão que exigir competências técnicas apropriadas aos seus autores, porquanto se está num domínio que, por muito que se valorize a arte da arquitectura, é um domínio técnico regulado que é muito mais do que a simples ideia arquitectónica; sendo a arquitectura apenas uma das suas componentes carecendo, portanto, de ser, obrigatoriamente, complementada pelas componentes de engenharia que, em conjunto coordenado (um projecto é um todo coordenado), lhe darão a sustentabilidade e credibilidade necessárias. E, neste caso, se se pretender executar a obra, os seus autores não podem ser preteridos em favor de terceiros, para desenvolvimento do projecto até ao nível do projecto de execução.

8.º Os “termos de referência” a que se reporta o CCP devem ser entendidos como o “programa preliminar” mencionado na Portª 701-H.

9.º Se o objectivo for a obtenção de um “estudo prévio”, as especificações do promotor deverão ser detalhadas ao nível de um “programa preliminar”, tendo a solução técnica a propor pelos autores de ser apresentada ao nível de um “estudo prévio” (ou similar).

Lisboa, 15 de Julho de 2010

Carlos Matias Ramos

Bastonário

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