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Investimentos Estruturais - 2020

05 de Fevereiro de 2020 | Geral


Investimentos Estruturais - 2020: Artigo do Bastonário Carlos Mineiro Aires publicado na Revista FRONTLINE.

"INVESTIMENTOS ESTRUTURAIS – 2020: Um número auspicioso? Entrámos num novo ano sob governação minoritária, sem pactos publicamente conhecidos, cuja conjugação numérica é particularmente auspiciosa para os defensores da numerologia. Sendo o meu primeiro artigo no ano 2020, devo começar por felicitar a FRONTLINE por mais um aniversário e pela continuação do prestígio alcançado, que a tornou uma publicação de referência, com conteúdos ajustados a targets muito diferenciados, o que muito possivelmente será o segredo do seu sucesso. Neste novo ano, o número 2 (dois) aporta a energia das parcerias e da necessidade de saber trabalhar em grupo para se ser um bom líder, e o número 0 (zero) aproxima-nos da espiritualidade. Estamos, assim, potencialmente perante uma conjugação perfeita: energia, partilha, parceria e espiritualidade. Para os portugueses será certamente um ano de esperança e crença de que a sua vida caminhará para melhor, sendo que pela primeira vez na história da democracia foi apresentado um Orçamento do Estado com perspetivas de obtenção de saldo orçamental positivo, embora de valor residual em relação ao PIB. Ao contrário do que seria esperado, pois internacionalmente a nossa imagem e credibilidade saíram valorizadas, as reações dos diversos quadrantes políticos foram díspares e não se fizeram esperar. Com base nos mais diversos fundamentos, ouvimos confundidos aplausos e apupos, como se estimar um exercício equilibrado das contas do Estado fosse uma má notícia para o país, sendo certo que tudo não passa exatamente de um projeto orçamental, que porventura terá ainda maior sucesso porque as já esperadas cativações permitirão margem de manobra para tal. Sabemos que a nossa economia está fortemente dependente do turismo, que a carga de impostos atinge limites para lá do que seria razoável num país pobre, que os salários continuam em níveis dos mais baixos da Europa, mas é certo que a qualidade de vida dos portugueses e a própria economia tiveram um novo alento, desde logo junto das camadas mais jovens, tanto mais que a taxa de desemprego sofreu uma forte redução. 

A política e os políticos vivem exatamente do anúncio e propaganda destas medidas e decisões, sendo que os que hoje as criticam farão o mesmo amanhã. Confesso as minhas limitações para poder avaliar se é razoável a procura de saldos orçamentais positivos num país que ainda tem muitas carências e necessidades, pois, como engenheiro, sou mais dado ao planeamento, no qual a definição das intervenções, das prioridades, dos calendários, das fontes de financiamento e de outros meios para atingir os resultados pretendidos devem assumir a primordial importância e cautela, sendo que não vislumbrei essa abordagem. 

Oportunidade de financiamento – É público que a próxima década trará um vultuoso Plano Nacional de Investimentos (PNI 2030), cujo conteúdo se tem procurado que seja consensual e daí a grande dificuldade em conjugar os múltiplos interesses e influências em jogo, sendo certo que, muito possivelmente, constituirá uma das grandes últimas oportunidades para o país poder beneficiar de mais financiamento comunitário a fundo perdido. Este PNI 2030, muito embora tenha previsto financiamento para outras vertentes de investimento, tem um especial enfoque na ferrovia, área em que o país desinvestiu durante décadas, o que agora se revela particularmente gravoso num cenário de crise climática, para além de nos deixar num lamentável estado de atraso em termos comparativos europeus.  Quanto a transportes públicos, apesar dos passos dados, muito falta fazer e não serão as bicicletas e as trotinetes a resolver os problemas. 

A falta de visão e de aproveitamento da oportunidade também nos deixa particularmente fragilizados por não dispormos de uma ligação de alta velocidade à rede europeia, não esquecendo o desastre nacional que é Portugal não poder dispor de um aeroporto capaz de dar resposta às ambições de um país universal e geoestrategicamente colocado para poder constituir-se num verdadeiro hub de dimensão e influência transcontinental. Julgo, no entanto, que devemos continuar a lutar para evitar o que muitos nos fazem crer ser uma fatalidade financeira, que nos conduziu à perda da soberania aeroportuária, operação recentemente qualificada pelo ministro da tutela como "um negócio ruinoso”. 

Necessidade de investimentos e debilidade de meios – Fechámos o ano com um episódio de cheias no vale do Mondego, onde a necessidade de investimentos e a debilidade de meios da administração pública ficaram uma vez mais a nu, o que é inevitável num Estado que conscientemente se deixou enfraquecer. A falta de estruturas adequadas, a falta de engenheiros no Estado e de atempada renovação dos seus quadros, bem como a baixa atratividade salarial, não podiam deixar de ter impactos, muito embora os poucos que restam procurem fazer o seu melhor. O desinvestimento na manutenção de infraestruturas, com decorrentes riscos para a operação e para a garantia da segurança de pessoas e bens e para que estejam asseguradas as funções para que foram concebidas, é um aspeto particularmente preocupante que não poderá ser descurado no PNI2030. No que toca à habitação, é conhecida a onda inflacionária dos preços para aquisição e arrendamento, sendo que a escassez do mercado impõe regras socialmente gravosas e penalizantes. Num país onde a energia é das mais caras da Europa e onde as tarifas sociais não garantem potências que permitam o aquecimento dos lares, não é de estranhar que Portugal seja o quarto país com maior índice de pobreza energética, apenas com a Bulgária, Hungria e Eslováquia à frente, onde a carência a este nível é qualificada de "extrema” num estudo recentemente apresentado. O mesmo estudo conclui que 25% das mortes no inverno em Portugal se devem ao frio causado pelas más condições das habitações, o que só pode ser motivo de vergonha nacional. 

Muito se exige, pois, à aplicação e correto direcionamento dos investimentos na próxima década. Por tudo isto, questiono-me se, em 2020, estaremos mesmo perante uma conjugação perfeita de energia, partilha, parceria e espiritualidade… Muito gostaria de estar errado. 

In Revista Fontline, 4 de fevereiro de 2020 »»»
 

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