Em ano de comemorações do Centenário da República Portuguesa, ganha oportunidade uma reflexão, neste espaço, dedicada à caracterização da realidade e da evolução da economia do nosso País no tempo da I República.
Instaurada sob o signo de uma crise persistente e multifacetada, a I República constitui um período genericamente caracterizado por uma evolução económica desequilibrada, irregular e níveis modestos de crescimento.
Tendência que se alterou no final do período, sendo de registar sinais de crescimento significativo, sobretudo a partir de 1923, definindo uma conjuntura que registou um relativo reequilíbrio da situação financeira do País, e conheceu a presença ou surgimento de um conjunto de actividades económicas bem sucedidas, em particular industriais, que tenderiam a afirmar-se nos anos seguintes.
De referir, para o conjunto da I República, a instabilidade política, económica e social que marcou a realidade portuguesa e o enquadramento internacional, caracterizado por sucessivas e profundas perturbações, registadas em vários espaços e ao nível geral, que tiveram impactos evidentes, embora variáveis em termos de natureza e intensidade, na economia portuguesa. Situação em que se destaca, pela dimensão da ruptura à escala planetária, pelo carácter e durabilidade dos seus efeitos e pelo envolvimento directo de Portugal, a I Guerra Mundial.
De acordo com os dados disponíveis, o crescimento do PIB para o período da I República terá estado próximo dos 2% ao ano, registando-se 1% para a taxa anual de crescimento do PIB per capita, considerando um crescimento da população na ordem dos 0,6% ao ano. De referir, também para o conjunto do período, os níveis elevados de emigração, envolvendo cerca de 600 mil indivíduos. Importa ainda destacar o cenário de estagnação da população activa e o aumento registado nos níveis de produtividade do trabalho, tanto para o sector agrícola como para o industrial, na ordem dos 2% ao ano.
A evolução da economia portuguesa no tempo da I República conheceu conjunturas muito distintas, definindo claramente três períodos. Um primeiro, inscrito no contexto de crise que se manifesta no início da década de 90 do século XIX, acentuando-se na primeira década do século XX e que se prolonga durante os primeiros anos que sucederam à implantação do regime, até à deflagração da Guerra. Período caracterizado por um cenário de estagnação, sobretudo se comparado com a dinâmica registada ao nível dos países europeus economicamente mais avançados. Entre 1900 e 1913, a taxa de crescimento anual do PIB terá andado pelos 0,5% e a do PIB per capita andou em linha negativa, nos -0,3%.
O segundo ciclo corresponde grosso modo ao tempo da Guerra. Entre 1913 e 1919, os valores das taxas de crescimento anual do PIB, da população e do PIB per capita, foram, respectivamente, -1,7%, 0,2% e -1,9%.
Por fim, o período que se inicia em 1919 corresponde a uma última conjuntura que, em termos económicos, se prolonga até 1929. Para estes anos, o PIB apresentou uma taxa de crescimento anual de 4,6%, a população 1,0% e o PIB per capita 3,5%.
A última década do século XIX conheceu um contexto de crise generalizada em que se inscreve o colapso da Monarquia constitucional e o caminho que conduziu à implantação da República. A par da instante crise política, o generalizado mal-estar social, a crise económica, em boa parte por esgotamento do modelo fontista e, com grande fragor, a derrocada financeira, compunham o cenário de catástrofe que os escritores finisseculares então pressentiam e denunciavam impiedosamente à vista da situação que assolou o País em 1890/1891.
O programa económico da Regeneração apostara no propósito de crescimento e de modernização, firmado pelo plano de melhoramentos integrado nas reformas ministeriais e orgânicas e pela dinâmica registada em termos de desenvolvimento de infra-estruturas, que o poder político se propôs impulsionar.
A obra económica da Regeneração, tendo embora efeitos positivos, mas insuficientes até para a unificação do mercado interno, foi feito em grande medida através do recurso constante ao aumento da dívida pública interna e externa e ao défice orçamental, o que, associando-se à deficitária balança comercial portuguesa, acabaria por arrastar a economia para uma difícil situação financeira, colocando-a sob a perspectiva de uma falência generalizada.
Em termos de tecido produtivo, Portugal contava essencialmente com a sua actividade agrícola, mesmo se ameaçada por uma crescente concorrência internacional. Apesar disso, na tese de vários autores, o sector industrial registou um ritmo de crescimento mais rápido do que o agrícola, particularmente no período posterior a 1870, mas circunscrito e longe de conseguir catapultar Portugal para o nível dos países industrializados da Europa. São de destacar as indústrias química, especialmente na produção de adubos e os sectores do papel (onde pontua a Caima Pulp), do vidro (na Marinha Grande) e dos novos materiais de construção (a primeira fábrica de cimento artificial Portland, em Alhandra, entrou em funcionamento em 1894). Ainda, pela importância que virá a assumir, uma referência à constituição da União Fabril, em 1865, e à sua posterior fusão – organizada por Alfredo da Silva - com a Companhia Aliança Fabril (1898).
De resto, o país não estava distraído das principais novidades técnicas que ocorriam à escala internacional, acompanhando, designadamente, os desenvolvimentos no campo da electricidade e das comunicações.
No final de oitocentos, a difícil situação financeira herdada do fontismo começava a fazer surtir as suas consequências mais violentas, tornando-se verdadeiramente incontrolável a espiral de endividamento do Estado, agravando um cenário de crise a que não foi estranha a crise cambial brasileira e a decorrente contracção das remessas dos emigrantes que permitiam compensar significativamente o quadro tradicionalmente deficitário das trocas portuguesas e, assim, ajudar a equilibrar a situação financeira do país.
O Estado começou a sentir terríveis embaraços para acudir ao défice orçamental, para honrar os encargos da dívida e para socorrer alguns bancos e companhias (ferroviárias e coloniais) que andavam à beira da falência.
Em Maio de 1891, foi decretada a suspensão da convertibilidade, a que em breve, em Junho, se seguiu o abandono do padrão-ouro. Falou-se de bancarrota e o público reagiu em pânico: entre Maio e Setembro de 1891 correu aos depósitos bancários e à conversão de notas. O Banco de Portugal ficou sem reservas e outros bancos acabaram por suspender pagamentos.
Nos anos de 1890 e 1891, a crise financeira e monetária foi acompanhada por quebras significativas de actividade em quase todos os sectores económicos. A crise, porém, não terá dado lugar a um período de abrandamento do crescimento económico, tendo em conta os efeitos positivos das medidas de acréscimo do proteccionismo e de desvalorização monetária, resultado da acção de Oliveira Martins e do seu sucessor na pasta da Fazenda, Dias Ferreira.
Observando o comportamento global da economia portuguesa nas vésperas da implantação da República, prevalece a imagem desse país de 5,5 milhões de habitantes, pobre, rural e esmagadoramente analfabeto (78 por cento em 1900), com um crescimento demográfico relativamente moderado e níveis crescentes de emigração.
Da Grande Guerra ao fim da I República
A ruptura do espaço económico europeu e mundial provocada pela I Guerra Mundial transformou indelevelmente a ordem internacional, interrompendo, apesar das vulnerabilidades já existentes, um período de crescimento económico registado à escala internacional e até em termos nacionais, se observado num ciclo longo, recuado aos meados do século XIX.A [...] Ler mais