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Crise, Nacionalismo e Ditadura - Memória da Grande Depressão em Portugal (II)

Portugueses, Patriotas, Preferi Produtos Portugueses!



No fim da primeira parte deste artigo (publicado na edição anterior da Ingenium) procurava mostrar que a Crise de 1929 e a recessão que se lhe seguiu acabaram por se transformar em aliadas do sector industrial português e dos industriais que há muito vinham reclamando o apoio do Estado para um processo que colocasse a indústria no centro do desenvolvimento económico.

Foi, de resto, por tudo isso, que os industriais, conscientes das circunstâncias, se empenharam na defesa da sua proposta, convencidos que chegara finalmente “a sua hora”, provando a indispensabilidade de promover a viragem de um Portugal tradicionalmente agrícola e atrasado e dando lugar a um País novo, capaz de ombrear com as economias industriais e desenvolvidas.

Foi assim que a Grande Exposição Industrial Portuguesa se apresentou, entre Outubro e Dezembro de 1932, como “prova clara, insofismável, iniludível de que Portugal está prestes a transpor as fronteiras do núcleo industrial da Europa”.1 Foi
também com esse fulgor optimista que acorreram à exposição mais de 1000 industriais. Tudo isso em nome da demonstração de um país industrial, da qualidade dos produtos nacionais, da prova insofismável de um sector que mereceria o olhar do Estado, o reconhecimento do seu valor como motor do ressurgimento económico nacional; ou seja, em nome da defesa do reconhecimento do sector industrial como um factor importante e decisivo da riqueza nacional merecedor do privilégio do Estado no sentido de o amparar e fortalecer, até porque o seu crescimento poderia solucionar o instante problema do desemprego que assolava a sociedade portuguesa. Ao primeiro ciclo da Exposição da Indústria suceder-se-ia, entre Junho e Outubro de 1933, um segundo momento dessa grande parada nacionalista.

Completando esse quadro de propaganda nacionalista do estado progressivo para a indústria e concorrendo para a teorização
formal da política desenvolvimentista baseada na indústria que conquistava terreno entre os meios industriais desde os finais da década de 20, registar-se-iam ainda dois momentos fundamentais. Um, decorrendo numa esfera paralela mas complementar,
ficou a dever-se à iniciativa da Ordem dos Engenheiros na organização, em Junho de 1931, do I Congresso Nacional de Engenharia, constituindo um momento de reflexão e debate sobre a forma como se devia preparar o arranque para o desenvolvimento da economia portuguesa, comungando o essencial das aspirações dos industriais da AIP, tanto mais que muitos dos participantes coincidiam nas realizações das duas instituições.

Refira-se, a propósito, o papel que os engenheiros desempenharam em todo este processo e como num País, parco em recursos e em competências técnicas, os engenheiros reunidos em Congresso se assumiram como elite esclarecida e condutora dos destinos nacionais. O segundo momento respeita então ao I Congresso da Indústria Portugal, cuja “principal finalidade deveria ser (na voz dos seus promotores) a sistematização das indústrias e a emissão de votos que possam ser apresentados ao Governo como indicações para a solução a dar aos mais instantes problemas industriais.2

O Congresso foi um momento único, compreendendo numerosas comunicações e consagrando um conjunto importante de conclusões que pretendia configurar a política económica do País que o regime recém-instituído deveria adoptar.

Sumariamente, defendiam-se três teses essenciais:
(i) a afirmação de que as actividades industrial e agrícola deviam ser complementares, devendo a segunda deixar de constituir um obstáculo ao desenvolvimento do sector industrial, ficando de alguma forma implícita a ideia da subordinação da esfera agrícola à industrial;
(ii) a necessidade do intervencionismo estatal.O Estado devia assumir o papel de orientador e dirigente da indústria nacional, dotando-se de um forte aparelho legal, prosseguindo uma política de apoio explícito à actividade industrial (através de vários instrumentos) e
(iii) o carácter imperativo e urgente do lançamento de um projecto nacional de industrialização, compreendendo a criação de indústrias-base e prosseguindouma política de substituição de importações,na convicção de que o desenvolvimento dosector industrial constituiria o motor de arranquee o suporte para o desenvolvimento económico do País.

Do desfecho desta história, ou sobre o destino da proposta, o essencial ficou dito no início deste texto. O Estado, na sua essência corporativo, não mais faria que “enquadrar” a actividade económica, subordinando-a, de resto, ao projecto político e à ortodoxia financeira que o chefe do Governo definira com toda a clareza; em matéria de prioridades sectoriais, a aposta industrializante estava longe de constituir uma dessas prioridades, e para o que nessa matéria houvesse espaço, entre o privilégio da agricultura e os constrangimentos do condicionamento industrial, o pouco que restasse ficaria por conta da iniciativa dos industriais. Assim foi.

Quanto à crise, o País resistira à sua passagem, porque alguns do seus efeitos mais negativos ficaram amortecidos pelas próprias circunstâncias que colocavam a economia portuguesa aquém do Mundo desenvolvido, e por outras, de razão bem distinta, que tinham dado lugar à política financeira de Oliveira Salazar e aberto espaço à sua afirmação política. Para os industriais a oportunidade desvanecera-se … a acontecer, a industrialização do País, não contaria desde logo com a mão do Estado, e teria que esperar ainda uns anos para que viesse a ter aceitação e estímulo do poder público. Porém, da passagem da crise resultaria, como noutros países, mas por razões e com desfechos distintos, um quadro nacionalista e proteccionista.
Quase todos os países passaram por reacções proteccionistas, na maioria pela implementação de práticas deflacionistas, e em muitos casos isso teve expressão numa feição nacionalista. A verdade é que, em vez de procurarem meios de cooperação e de concertação na definição de soluções comuns e partilhadas para pôr termo ao alastramento da crise, reagiram individualmente; fechando-se sobre si próprios acabaram por fazer prolongar a crise mundial.

Em breve, os insucessos e mesmo o agravamento do quadro depressivo acabaram por dar lugar à correcção do percurso no sentido de contrariar os efeitos mais negativos das soluções “tradicionais” e a introdução de novas práticas de intervenção do Estado na dinamização da actividade económica, em boa medida interiorizando o novo paradigma que a ciência económica produzira através do pensamento e da obra de Keynes. Porém, registaram-se percursos distintos, comungando embora alguns expedientes semelhantes, nomeadamente ao nível do investimento público, alguns estados conheceram caminhos distintos, no sentido do aprofundamento das suas opções de natureza mais autárcica, combinando-as com modelos políticos autoritários.

Essa é, de resto, uma das principais consequências que os historiadores têm evidenciado na observação do resultado da Grande Depressão, a emergência dos autoritarismos que num curto espaço de tempo arrastaram o Mundo para o quadro de horror e destruição da II Guerra Mundial.

Hoje, que uma nova crise alastra, com contornos e extensão ainda desconhecidos e imprevisíveis em toda a sua plenitude e alcance, existe a expectativa de que se encontre um desfecho mais rápido e de consequências menos dramáticas; sabendo-se, de
antemão, que isso depende em boa medida da acção e do sucesso das políticas públicas em encontrar soluções conjuntas e concertadas, como, felizmente, se tem verificado nalguns contextos internacionais.

1 “O importante certame de Setembro”, in Indústria Portuguesa, AIP, n.º 52, Junho, 1932, p. 18.
2 “Uma grande para da indústria nacional”, in Indústria Portuguesa, n.º 53, Julho 1932, p. 58.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 109 - Janeiro/Fevereiro de 2009

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