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Origem e criação do LNEC



O LNEC publicou recentemente um livro – e um dos últimos números da Ingenium registou-o – sobre a sua actividade nos primeiros sessenta anos de vida: Laboratório Nacional de Engenharia Civil. 60 Anos de actividade, 1946-2006. O lançamento do livro, no passado dia 14 de Novembro de 2006, integra um programa de comemorações que o LNEC está a organizar para comemorar o seu 60.º aniversário. Pois é. Passaram já 60 anos e hoje, tal como o livro começa, para grande parte dos portugueses, o LNEC é basicamente um lugar cercado de muros baixos, com um conjunto de edifícios austeros, onde engenheiros menos acessíveis se ocupam de problemas complexos de engenharia. Não saberão exactamente quais, mas os mais velhos associarão certamente o Laboratório à concepção de grandes barragens e de importantes obras hidráulicas, enquanto os mais jovens se recordarão de frequentes menções à intervenção do LNEC em situações de crise, designadamente em túneis e pontes1.



Na verdade é mesmo assim. E porém, o LNEC não só continua a ser uma das mais prestigiadas instituições portuguesas, como tem desempenhado um papel fundamental no quadro do desenvolvimento científico e tecnológico nacional… Resta, portanto, saber porquê, porque são poucos os que se lembram dele, ou melhor dizendo da sua história e da sua actividade passada e presente em domínios tão significativos da engenharia portuguesa – feita cá dentro e lá fora.

Mas será talvez melhor perguntarmos porque é que nunca nos “lembramos de quase nada” do que temos feito, porque é que numa posição reveladora de idiossincrasias e complexos nos esquecemos, com tão injustificada frequência, dos nossos contributos para o progresso e para as conquistas feitas em termos de desenvolvimento científico, tecnológico, até cultural…Podemos ver o assunto por outro prisma, sem qualquer espírito celebratório, que esse, por natureza, enjeito e rejeito. Porque é que estas coisas raramente são notícia? Porque é que, também, frequentemente, se cai na desvalorização e no desinteresse do que a este respeito se faz em Portugal ou na sua relativização e “esmagamento” por outro tipo de notícias, menores, mas de consumo assegurado…
Por fim, e se calhar podiam ainda evocar-se outros argumentos e aduzir mais razões: porque não desenvolvemos uma cultura científica responsável relativamente à memória do nosso passado, garantido a sua preservação, valorização e divulgação?

Refiro-me, está bem de ver, à questão colocada a diversos níveis: não só quanto ao conhecimento do nosso passado histórico, ao nosso desempenho em diversos domínios, mas também ao nosso património científico e tecnológico, de que o LNEC obviamente faz parte? Certamente todos temos a nossa quota-parte de responsabilidade nessa “apatia” generalizada e colectiva. Acabamos por ser todos, de certa forma, cúmplices, vítimas e promotores dessa amnésia generalizada que impende sobre a nossa Memória. Essa densa gelatina de superficialidade que tem envolvido a nossa cultura histórica em todos os domínios – e que é tanto mais preocupante quanto se sente e se sabe que o fenómeno é estrutural e tem raízes profundas para as quais só encontro explicação na falta de formação e cultura que nos tem historicamente caracterizado?

Não posso deixar de referir a enorme responsabilidade de muitas instituições, públicas ou privadas, quando são elas próprias que muitas vezes se esquecem de cuidar da sua riqueza, da sua herança, seja ela material ou imaterial; e que tantas vezes deixam, por inépcia, por desinteresse, por falta de recursos, enfim, por mil e uma razões, reais ou fictícias, que se perca a memória da sua presença num passado mais ou menos longínquo e que o seu património material, documental, tecnológico, … se degrade ou seja mesmo destruído… tornando a memória, para desespero de quem a procura salvaguardar, em lixeira.

Mas não vamos por aí… Vamos precisamente pela defesa da preservação e divulgação do nosso passado histórico, para o conhecer, porque temos a consciência de que, quer se queira quer não, é sobre esse passado que também se vai construindo o futuro.Ou seja, que é a partir dele e dos conhecimentos que encerra, constituindo-se cumulativamente em nossa herança, que podemos caminhar de forma mais segura para enfrentar os reptos com que constantemente nos temos de confrontar, para conseguirmos construir um País onde o futuro tenha lugar e nos dignifique: uma sociedade competitiva e inovadora.Por isso, devemos louvar as iniciativas que, apesar de tudo, vão surgindo, quer as individuais, de matriz fundacional, quer as institucionais, privadas ou públicas, que têm a ver com o conhecimento desse passado reconhecendo-o e adoptando-o para melhor o podermos preservar.É, portanto, disso que se trata; e é afinal de contas isso que o LNEC procura assegurar, deixando o essencial da sua história /memória inscrito e escrito no livro acima referido. De resto, desnecessário seria afirmá-lo, a sua importância como instituição no domínio da ciência e da tecnologia nacional justifica-o plenamente. Ou como se refere, o prestígio do LNEC, mantido durante estes 60 anos, embora naturalmente com altos e baixos, advém-lhe do importante trabalho de investigação e desenvolvimento tecnológico que tem realizado desde a sua fundação.

A criação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil data de 1946, e consta do decreto n.º 35 957 de 19 de Novembro. Na sua génese, encontramos a iniciativa da Junta de Educação Nacional na criação do Centro de Estudos de Mecânica Aplicada, convertido em 1944 em Centro de Estudos de Engenharia Civil, anexo ao Instituto Superior Técnico e integrado em 1947 no Laboratório de Engenharia Civil2.



Mas esta é apenas uma forma de começar a história. Em boa verdade, o LNEC ficou indelevelmente ligado ao nome do seu fundador, um dos nomes maiores da engenharia portuguesa do século XX, o engenheiro Manuel Rocha. É pertinente alongar apenas um pouco o tratamento a dar ao desempenho e o protagonismo que Manuel Rocha assumiu neste contexto.

Engenheiro civil pelo IST, do qual foi professor catedrático, a ele se ficou a dever a fundação do Centro de Estudos de Engenharia Civil do Técnico, que veio a ser integrado, como seu elemento fulcral, no LNEC. Manuel Rocha, além de alma mater, veio a ser seu director entre 1954 e 1974. Refira-se, a propósito, como a sua obra e a daqueles que o foram acompanhando ao longo dos anos é tanto mais de exaltar quanto, no quadro das instituições criadas durante o Estado Novo, se veio a revelar uma das de maior credibilidade e prestígio nacional e internacional e uma das que mais fez em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do País; saliente-se o papel pioneiro sobre a utilização de computadores em engenharia civil, a partir de 1962; a promoção, quatro anos mais tarde, em Lisboa, do 1.º Congresso Internacional de Mecânica das Rochas.

Entretanto, seguindo a sua vocação e os objectivos para os quais tinha sido criado, o LNEC desenvolveu estudos e investigação nos domínios dos aproveitamentos hidro-eléctricos, das barragens, das linhas de alta tensão e das estruturas metálicas envolvidas, sempre em estreita articulação com as realizações, isto é, inserido nos programas nacionais de obras públicas e procurando encontrar soluções inovadoras para problemas técnicos nacionais. A acção do laboratório ultrapassou largamente a questão da electrificação do País, alcançando, juntamente com alguns dos seus investigadores, projecção internacional.

Em meados da década de 70, o LNEC, que havia começado a sua actividade com um quadro de 33 técnicos superiores e 61 técnicos auxiliares, já tinha cerca de 1.000 colaboradores distribuídos por 7 departamentos (barragens, edifícios, estruturas, geotecnia, hidráulica, materiais de construção e vias de comunicação) e 4 centros (documentação e informação técnica, normalização e regulamentação, informática e projecto e construção de equipamento).

As alterações profundas que foram sendo introduzidas na sociedade e na economia portuguesas a partir do pós-Guerra, embora tenham introduzido descontentamentos e desequilíbrios, permitiriam ao País encetar um processo de desenvolvimento económico e social, comungando do clima de prosperidade que marcou a conjuntura internacional nas duas décadas seguintes.
Para Portugal, iniciar-se-ia um ciclo de desenvolvimento, incorporando mudanças estruturais, não obstante os poderosos factores sociais e políticos de resistência que, subsistindo, acabariam por condicionar negativamente o ritmo e o alcance das transformações modernizadoras.

Desde logo, a eclosão da II Guerra Mundial veio alterar a situação em que se ia processando “o rumo e o ritmo” da política económica portuguesa: ou seja, o processo que vinha decorrendo nos anos 30 como que sofre uma interrupção onde, numa primeira fase, se nota prudência e contenção (o País deverá “manter na medida do possível a normalidade existente” 3), para depois se traduzir num importante salto qualitativo – durante a Guerra e pela conquista do mercado interno por alguns sectores industriais até então com a expansão limitada pelo poder e interesses do lobi do comércio importador (alimentação, têxteis, minerais não metálicos, metalurgia e metalomecânica) e, posteriormente, pelo arranque formal dos processos de electrificação e de industrialização em grande parte devido à doutrinação e ao trabalho legislativo de Ferreira Dias (a quem já me referi abundantemente em artigos anteriores).

A todo o esforço que se seguiu, em termos de industrialização e de electrificação do País, não foram certamente estranhos a participação e o apoio que o entretanto criado Laboratório Nacional de Engenharia Civil propiciava e a segurança garantida pelo trabalho científico de ensaio de estruturas aí levado a cabo. Neste, como em muitos outros sectores, estavam cabalmente demonstrados os elevados níveis de competência atingidos pelo LNEC e a razão de ser da sua criação.

1 “Os sessenta anos do LNEC evocação, comemoração e reflexão”, in Laboratório Nacional de Engenharia Civil. 60 Anos de actividade, 1946-2006, LNEC, Lisboa, 2006, p. 3.
2 Gustavo Cordeiro Ramos, Objectivos da Criação da Junta de Educação Nacional (actual Instituto para a Alta Cultura). Alguns Aspectos do seu Labora, Lisboa, 1951, p. 26.
3 António de Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. IV 1943-1950, Coimbra Editora, p. 6.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 99 - Maio/Junho de 2007

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