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Os Congressos dos Industriais e dos Economistas em 1957 (I)

Realizou-se no mês de Outubro, em Lisboa, o 2.º Congresso dos Economistas – 50 anos passados sobre um outro que ficou na memória de todos quantos viveram de forma consciente e participada o que era o Portugal económico no final da década de 50.


O País, entre impasses e indecisões quanto ao que deveria ser a natureza e a forma do seu percurso económico, ponderando os enquadramentos internacionais em que se podia ou devia situar à luz das ideias e intenções dos principais responsáveis políticos da época, pesando as circunstâncias associadas e decorrentes do grau de desenvolvimento económico claramente deficitário e dependente da maioria dos países que compunham o espaço geográfico e económico circundante, estava então à beira de assumir um processo de mudança que marcou a sua trajectória até ao final do Estado Novo.

Em síntese, podemos dizer que, resolvidas algumas hesitações, tendo sido superada a crise dos abastecimentos e a dos pagamentos externos que irrompeu com estrépito no final dos anos 40, apesar de todos os atrasos, o Portugal do pós-Guerra acabou por conhecer um processo de desenvolvimento económico e social que acompanhou e até ultrapassou, em termos das principais taxas de crescimento, o clima de prosperidade que caracterizou a economia do conjunto dos países europeus nas duas décadas seguintes. Na verdade, a partir do pós-guerra, acompanhando a tendência internacional, Portugal conheceu um surto de crescimento que se prolongou até ao início dos anos 70, tendo incorporado mudanças estruturais significativas, não obstante a existência de poderosos factores sociais e políticos de resistência que, subsistindo, condicionaram negativamente o ritmo e o alcance das transformações modernizadoras.

Há, porém, que reconhecer a ocorrência de vários ciclos nesse tempo longo: desde logo o imediato pós-guerra e o complexo processo de transição da economia de guerra para a economia de paz e as propostas que então se avançaram quanto ao rumo económico a prosseguir (recorde-se o que já escrevi nesta revista sobre o programa em grande parte promovido por Ferreira Dias, transposto, quanto ao essencial, nas leis 2002, de Electrificação do País, e 2005, do Fomento e Reorganização Industrial); depois, a crise, internacional e nacional e, por fim, a mudança dos responsáveis pelos assuntos económicos e a preocupação de estabilizar economicamente o sistema, sobrepondo-se ao ímpeto desenvolvimentista, industrializante, que se pretendeu lançar no final da Guerra.

No seu conjunto, a década de 50 inaugurou um ciclo de crescimento económico e, porventura, de encurtamento do desfasamento que se mantinha entre Portugal e os países europeus mais desenvolvidos, situações que se acentuariam na década seguinte. Novo ciclo, porque, de facto, para além do aumento do ritmo do crescimento, numa leitura mais geral, integrou algumas novidades relativamente ao passado e, apesar da persistência de contradições e vulnerabilidades, envolveu transformações duradouras que permitiram delinear um modelo que se manteve até perto do final da década. Mas em relação aos anos 50, há um antes e um depois, e a fronteira é marcada, precisamente, pelos II Congressos da Indústria e dos Economistas realizados em 19571 e a que dedicamos este e o próximo artigo.

Foi então, por ocasião desses encontros, que simbolicamente se fez e se assumiu conscientemente uma ruptura; foi em 1957 que, de forma visível, se lançaram boa parte das bases do desenvolvimento económico da década de 60, determinando a década e meia que ficou conhecida como os anos dourados do capitalismo português.

  
O modelo económico prosseguido até então, vinha sendo monitorado por forma a assegurar alguns equilíbrios fundamentais, embora integrando algumas novidades de conteúdo, de forma e até de intensidade.
Disso são exemplos: o surto industrial que abrangeu alguns sectores, o interesse redobrado pela exploração colonial, a cooperação económica internacional mas subordinada à lógica do interesse nacional; o lançamento do planeamento a médio prazo da actividade económica; a manutenção do intervencionismo estatal, designadamente por via das estruturas do corporativismo e do condicionamento industrial; o reforço da ideia de autarcia e do proteccionismo que a aplicação parcelar da lei n.º 2005 mostrou de forma ostensiva; a moderada tentativa de modernização da agricultura que, no entanto, fracassou.

Tratou-se essencialmente de um modelo de passagem encontrado na mudança dos tempos, adaptado a uma conjuntura turbilhonar, que alterou o estritamente necessário para que o essencial permanecesse. Modelo com um tempo de vida restrito, de transição, que incluía elementos estruturais e outros claramente marcados pela conjuntura do pós-guerra. Entre os primeiros, a preferência pela exploração da mão-de-obra abundante e barata e pouco qualificada, sacrificando assim a melhoria da produtividade, o desenvolvimento de sectores industriais mais dinâmicos – por exemplo o da produção de bens de equipamento e descartando o apoio à investigação científica e técnica.

As consequências deste comportamento estão patentes nos valores atingidos: mesmo que seja possível reconhecer algumas melhorias, os ritmos de crescimento mantiveram-se aquém dos registados nos outros países da Europa Ocidental.

De resto, parece ser legítimo concluir que a política de baixos salários associada à prática de baixas taxas de juros e ao condicionamento industrial permitiram o crescimento ou a emergência de algumas actividades industriais tecnologicamente pouco evoluídas e com baixos níveis de produtividade.

Se além disso se tiver em conta que o processo de crescimento adoptado se baseava essencialmente na procura interna   apostando na substituição de importações na área das indústrias de base (indústrias pesadas) e no crescimento do consumo - pode verificar-se um círculo vicioso onde a política salarial e ainda o condicionamento industrial, dificultavam o alargamento do mercado interno - ele próprio de reduzida dimensão - na exacta medida da fraca propensão para consumir da maioria da população, devido à baixa capitação e deficiente distribuição do rendimento nacional.

 
No que diz respeito ao esforço de desenvolvimento industrial, a evidência de algumas lacunas foi de certo modo adiada, não só pela protecção estatal de que sectores inteiros beneficiavam, mas também pela fraca exigência dos mercados a que se dirigia a produção.

Um desenvolvimento que assentava numa mão-de-obra de baixo preço e pouco qualificada poupava aos empresários a necessidade de investir na modernização dos sectores, impedindo, assim, que se atingissem elevadas taxas de produtividade. Não o fazendo, numa época caracterizada por um rápido desenvolvimento tecnológico, a indústria comprometia o seu próprio futuro por falta de competitividade proveniente de um fraco nível de mecanização, de deficiências de gestão das unidades produtivas e, talvez, sobretudo, pela incapacidade para assumir o seu próprio processo de inovação.

Pelo caminho foram absorvidas novidades interessantes, nomeadamente:
(i) a plataforma de cooperação económica externa encontrada e os efeitos que teve, nomeadamente em termos de liberalização
e estímulo ao desenvolvimento das trocas, em que o nosso País também esteve envolvido e do qual beneficiou em primeira
instância através da sua participação no Plano Marshall, na OECE e na UEP;
(ii) a ascensão dos economistas que divulgando e consolidando conceitos económicos introduziram um elemento de racionalidade no sistema;
(iii) e, claro, porventura a novidade mais importante, o facto da indústria, aproveitando as oportunidades oferecidas, ter ultrapassado a agricultura. Situação que deve ser lida também pelo que significou no debate da prioridade agricultura/indústria e do desenlace do “confronto” entre perspectivas opostas de conceber e encarar o futuro económico e social do País.

Por junto, os anos 50 ficaram como anos de transição de uma economia predominantemente agrícola para uma economia industrial. Foi na primeira metade da década de 50 que a estrutura relativa dos sectores da economia portuguesa se alterou profundamente, passando a indústria a constituir claramente o sector mais dinâmico e mais importante da nossa economia. Foi, com efeito, a partir de então que a taxa de crescimento da indústria principiou a ser sensivelmente superior à da agricultura.

O relativamente lento crescimento económico experimentado ao longo da década (o PNB cresceu a uma taxa anual de 4,4% entre 1950 e 1960), ficou a dever-se principalmente ao crescimento do produto da indústria que, progressivamente, foi afirmando a sua contribuição para o PIB em detrimento do sector primário. De resto, a nova estratégia político-económica do Estado, encetada no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, procurando enquadrar coerentemente os grandes objectivos da política económica nos então chamados “planos de fomento”, constituiu um elemento essencial na significativa evolução da economia portuguesa, promovendo, em obediência às tendências gerais do capitalismo europeu, as condições que viriam proporcionar um acentuado crescimento do sector industrial.

Para trás, irremediavelmente, ficou a agricultura, apesar do Governo postular que o desenvolvimento industrial havia de se subordinar ao desenvolvimento agrícola. No quadro de uma evolução que já tem antecedentes, a “lavoura nacional” como que desiste do seu próprio processo de crescimento e modernização, mantendo-se renitentemente agarrada a fórmulas de exploração da terra obsoletas e a tecnologias arcaizantes geradoras de uma estagnação que perdurou praticamente até à actualidade.

Na realidade, a nova política industrial, assente no princípio de que o crescimento do sector industrial conduziria, só por si, ao desenvolvimento económico global do País, não tardou, porém, a revelar-se ineficaz.

Com efeito, no decénio de 60, abalados os fundamentos que haviam permitido o surto industrial da década anterior, e sofrendo-se os males de uma estratégia que, privilegiando a indústria, deixou negligenciar o desenvolvimento paralelo do sector primário, verificou-se, afinal, que o crescimento da produção industrial conseguido estava longe de garantir ao País um desenvolvimento económico sustentado e equilibrado. Por outro lado, o final dos anos 50 e especialmente os inícios dos 60 vieram também colocar novos desafios a Portugal no que dizia respeito ao seu envolvimento nos movimentos de cooperação económica europeia, implicando importantes decisões e definindo estratégias consequentes.

Para já retenha-se o essencial dessa década de 50, marcada:
(i) pelo crescimento económico moderado,
(ii) pela assumpção do planeamento económico e
(iii) pelo triunfo da ideia de industrialização, cujo conceito e desenho surgiram consagrados e redefinidos nos já referidos II Congressos da Indústria Portuguesa e dos Economistas realizados em simultâneo em 1957, a cujo conteúdo e principais consequências dedicarei o próximo artigo.

Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 101 - Setembro/Outubro de 2007

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