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Os Congressos dos Industriais e dos Economistas em 1957 (II)

 
O II Congresso dos Economistas Portugueses1 e o II Congresso da Indústria Portuguesa2 realizaram-se conjuntamente em Lisboa de 26 de Maio a 1 de Junho de 1957. Tiveram por objecto o estudo da situação e perspectivas das várias indústrias, com vista à aceleração do desenvolvimento económico da metrópole e Ultramar, e examinaram as condições e os meios de conseguir tal aceleração. Esse estudo tornava-se indispensável e urgente, dado Portugal situar-se entre os países de menores capitações de rendimento e de mais reduzida produtividade, e ser possível, através de uma rápida industrialização, sair do atraso em que se encontra…3
Foram apresentados e publicados 78 relatórios, postos à discussão nas sessões conjuntas dos dois congressos, e 128 comunicações.
Simultaneamente, teve lugar a inauguração oficial da Feira das Indústrias Portuguesa, nas instalações da Junqueira.
Momento alto, momento de balanço do caminho percorrido, assim se pode caracterizar a organização em simultâneo dos II Congressos da Indústria Portuguesa e dos Economistas Portugueses, e cujos efeitos se haviam de prolongar pela década seguinte.

Assinalem-se, antes de mais, dois aspectos relevantes que ajudam a compreender o sentido da realização destes dois Congressos: primeiro, o facto de não ser difícil encontrar uma linha de continuidade entre estes segundos congressos e o realizado em 1933, vinte e quatro anos antes, apesar de todas as alterações ocorridas na economia e na sociedade portuguesas;
segundo, a constatação de que foi a partir da realização deste Congresso que os agentes económicos privados portugueses, com interesses ligados à indústria e ao sistema financeiro, impuseram em larga escala os seus pontos de vista.Vimos no artigo anterior como a estratégia dos anos 50, que confiava o crescimento económico à expansão industrial (assente, no fundo, em dois estímulos: a reserva de mercados e o baixo preço dos factores produtivos – mão-de-obra e capital) e a própria estrutura do modelo criado para sustentar esse mesmo “arranque”, vieram a revelar-se insuficientes e incapazes, acabando por se repercutir
negativamente no próprio desenvolvimento do País – o que permitiu concluir que a concepção do projecto assentava em pressupostos cuja viabilidade era duvidosa e, duvidoso também, o próprio princípio desenvolvimentista em que a nova estratégia se baseava.
Apesar de se ter verificado que o crescimento económico português, experimentado no decurso da década de 50, resultou em grande medida da vitalidade do seu sector secundário, o seu sucesso e real alcance, em relação ao progresso económico e social do País, ficaram muito aquém do esperado. Uma vez alterados os condicionalismos de base que permitiam a sua existência, a nova estratégia de desenvolvimento revelou-se inadaptada e desarticulada face à realidade económica e social portuguesa.

Embora se tenham tentado desenvolver indústrias consideradas motoras, dado o seu carácter progressista, propulsivo e multiplicador, foram negligenciadas as condições que assegurariam a sua manutenção.Preferiu-se intensificar o trabalho, aproveitando a existência de uma mão-de-obra barata e abundante, em vez de se incrementar uma melhoria de produtividade; ignorou-se a necessidade de constituir um sector de produção de bens de equipamento que, aliás, nunca passou de uma fase incipiente e, por fim, desdenhou-se o apoio à investigação científica (teórica e aplicada) resultante deste conjunto de omissões numa indústria rotineira onde raramente surgiam inovações.
Oscilantes entre a necessidade do desenvolvimento tecnológico conducente a uma produtividade acrescida e a atracção pelo trabalho barato e não qualificado, assim como pelo investimento canalizado para os sectores de resultados mais rápidos, as nossas indústrias tornaram-se cada vez mais dependentes de tecnologia e de bens de equipamento importados e cada vez menos capazes de competirem no mercado externo.Tudo isto está patente nos valores atingidos: mesmo melhorados, os nossos ritmos de desenvolvimento mantiveram-se muito aquém dos índices do restante mundo ocidental industrializado.
Não é, portanto, de estranhar o clima de tensões e hesitações em torno da tomada de consciência dos limites que confrontavam o modelo em curso, sobre a necessidade de introduzir acertos, reajustamentos ou até alterações mais significativas ou, em suma, sobre o rumo e a intensidade que o processo de industrialização e desenvolvimento económico almejado deveria prosseguir. Foi precisamente sobre a análise do passado, à luz das vulnerabilidades do processo económico em curso, e no sentido de encontrar e desenhar perspectivas futuras, que se reflectiu nos II Congressos dos Economistas e da Indústria Portuguesa, que se reuniu a elite política e económica portuguesa da época. Pretendeu-se então proceder ao estudo (...) do caminho percorrido pela indústria portuguesa nas últimas décadas e à análise dos problemas da sua evolução no futuro próximo (...) onde se confrontassem pontos de vista, documentassem aspirações e objectivos e debatessem (...) as questões que a industrialização suscita no quadro geral dos problemas nacionais.4Foi, como já se referiu, o mais relevante acontecimento da segunda metade dos anos 50, cujas repercussões se prolongaram por grande parte da década seguinte.
A sessão inaugural pertenceu ao ministro da Presidência, Marcelo Caetano. Discurso surpreendente, em que depois de fazer uma síntese da história da indústria portuguesa, identificando os seus problemas, apontando-lhe os defeitos e fraquezas, Caetano se refere aos processos de integração europeia, colocando no centro de todas as preocupações a questão dos mercados e a necessidade de, esbatendo a tradicional tutela estatal, atribuir maior protagonismo aos agentes privados5.

As conclusões do Congresso reflectem a maioria dos temas debatidos ao longo do encontro: a necessidade de prosseguir uma política de crescimento económico no quadro da qual deviam ser ponderadas as questões que se prendiam com os mercados de escoamento da produção; a exigência de continuar, aprofundando, a experiência de planeamento iniciada no hexénio anterior com o I Plano de Fomento; o carácter imperioso que assumia a difusão de uma mentalidade industrial e a rápida industrialização do País (incluindo as possessões coloniais), sem esquecer o incremento do ensino técnico e da investigação aplicada; a alteração do regime do condicionamento industrial por forma a aliviá-lo de alguns dos aspectos mais penalizadores e a torná-lo comum a todos os territórios nacionais; a necessidade de prestar uma especial atenção à situação da agricultura; a importância de não perder de vista as transformações derivadas dos movimentos de cooperação e integração europeia6.

As conclusões do Congresso projectaram-se, ainda que de forma não muito acentuada, na elaboração e execução do II Plano de Fomento (1959-1964), aprovado pela Lei n.º 2094 de 25 de Novembro de 1958, reflectindo a maioria dos temas em debate: a necessidade de prosseguir uma política de crescimento económico no quadro da qual deviam ser ponderadas as questões que se prendiam com os mercados de escoamento da produção; a exigência de continuar, aprofundando, a experiência de planeamento iniciada com o I Plano de Fomento; o carácter imperioso que assumia a difusão de uma mentalidade industrial em todo o País (incluindo as possessões coloniais); a necessidade de prestar uma especial atenção à situação da agricultura; a importância de não perder de vista as transformações derivadas dos movimentos de cooperação e integração europeia7.

Na realidade, foi a partir da realização desses Congressos que os agentes económicos privados portugueses com interesses ligados à indústria e ao sistema financeiro impuseram, em larga escala, os seus pontos de vista, parte dos quais acabaram por ser vertidos para a forma final que foi dada ao II Plano de Fomento. Todavia, embora já aqui surja um programa de política económica com alguma coerência, é ainda a continuidade em relação a comportamentos e concepções passadas o que sobressai. Mantém-se a natureza de plano parcial, embora este II Plano inclua já o enunciado de alguns grandes projectos, aponte como objectivos a aceleração do ritmo de crescimento da produção nacional, o aumento do nível de vida e a resolução dos problemas do emprego.

É certo que alguma prioridade é atribuída ao sector industrial que, no que se refere à Metrópole, só à sua conta absorve mais de 25% dos investimentos previstos (contra 17,3% para a agricultura), mas é igualmente certo que as ideias que prevaleceram são ainda a substituição de importações e a prioridade ao mercado interno8.

Todavia, para além dos planos e das instituições, as realidades económicas impuseram-se: o II Plano de Fomento nasceu e desenvolveu-se em parte ultrapassado pelos acontecimentos; complexo e instante, o problema dos mercados, significando abertura, vai-se impondo e, naquele passo hesitante de quem tem de satisfazer interesses nem sempre fáceis de conciliar, os governantes portugueses procuraram não perder completamente o que de mais importante se passava em termos da integração europeia.

Após alguns anos de negociações, Portugal integra formalmente a EFTA, em 4 de Janeiro de 1960, data que fica a constituir simbolicamente o primeiro elemento de expressão de um processo de abertura que, no fundo, significou a vitória da ideia e daqueles para quem a estratégia do desenvolvimento já não passavam só, nem sobretudo, pelo mercado interno metropolitano: a política de substituição de importações, um tanto à revelia do próprio Plano, vai dando lugar a procedimentos que dão primazia à exportação.Por outras palavras, assiste-se neste início da década de 60 a uma redobrada atenção pelos mercados externos, ainda eventualmente contraditória e não muito entusiástica, onde se manifestam duas grandes tendências: uma primeira que significa avançar para as colónias (construção do “espaço único português”/”mercado comum português”), outra, conduzindo a um aprofundamento nos movimentos de integração europeia, na circunstância através da adesão à EFTA (consagrando um fenómeno irreprimível uma vez que a Europa já era então o nosso primeiro parceiro comercial).

Saliente-se, entretanto, que se este II Congresso constituiu um momento singular de balanço da política económica do Estado Novo no seu já longo percurso de quase três décadas, ficou a constituir um ponto de viragem no discurso (agora anti-autárcico) e na prática desse mesmo Estado Novo: desfeita a quimera de instituir o corporativismo como “terceira
via”, dele pouco mais restava que uma organização em grande medida subserviente e resignada face ao poder e à necessidade do intervencionismo estatal; tudo se passava como se se tivesse tornado necessário reduzir o peso que essa tutela exercia sobre toda a economia e, sobretudo perante alguns insucessos, transparecia a vontade de outorgar direitos acrescidos à iniciativa privada. Esta questão foi exemplarmente frisada por Ulisses Cortês, Ministro da Economia, na sessão de encerramento do Congresso: a acção estatal deve consistir menos em investir directamente do que em traçar orientações, propor finalidades, criar estimulantes fiscais, orientar o crédito e instituir as condições indirectas, quer económicas e financeiras, quer técnicas e culturais, que propiciem o desenvolvimento das iniciativas e o esforço criador dos particulares9.

Note-se, por fim, que a ideia e a necessidade de internacionalização da economia portuguesa, que surgiu formalmente aprovada nos Congressos de 1957, encontrou parte da sua concretização na realização regular, a partir de Junho de 1960, da Feira Internacional de Lisboa, mais uma vez por iniciativa da Associação Industrial Portuguesa10.

1 II Congresso dos Economistas Portugueses, INE, Centro de Estudos Económicos, Lisboa, 1957.
2 II Congresso da Indústria Portuguesa (Programa, Discursos, Comunicações), Ed. Centro de Estudos Económicos/Comissão Organizadora e Executiva, Lisboa, 1957.
3 Conclusões. II Congresso dos Economistas e II Congresso da Indústria Portuguesa, Lisboa, 1957, p. 17.
4 Indústria Portuguesa, Ano 30, Nos 351-352, Maio-Junho 1957, p. 196.
5 Marcelo Caetano, «Discurso inaugural dos Congressos dos Economistas Portugueses e da Indústria Portuguesa», in AAVV, Discursos, Conclusões e Estudos Sobre a Indústria Portuguesa, II Congresso da Indústria Portuguesa, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1957, p. 15.
6 Cf. “Conclusões Gerais” in AAVV, Discursos, Conclusões e Estudos Sobre a Indústria Portuguesa, II Congresso da Indústria Portuguesa, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1957, pp. 17 a 25.
7 Cf. “Conclusões Gerais” in AAVV, Discursos, Conclusões e Estudos Sobre a Indústria Portuguesa, II Congresso da Indústria Portuguesa, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1957, pp. 17 a 25.
8 Cf. Ana Bela Nunes e BRITO, J. M. Brandão de Brito, “Política económica, industrialização e crescimento”, Nova História de Portugal, Vol. XII - Portugal e o Estado Novo (1930-1960), Editorial Presença, Lisboa, 1992, p. 325.
9 Indústria Portuguesa, Ano 30, Nºs 351-352, Maio-Junho 1957, p. 200-201.
10 Para além das iniciativas acima referenciadas, outras houve que não sendo promovidas pelas organizações industriais, contaram com a sua participação activa. Merecendo um destaque especial a intervenção em exposições e congressos internacionais e nos congressos e conferências da União Nacional.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 102 - Novembro/Dezembro de 2007

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