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Os engenheiros e a sua Ordem I: os antecedentes

Artigo único. É constituído, com a denominação de Ordem dos Engenheiros, o Sindicato Nacional dos Engenheiros, que se regulará pelos estatutos anexos a este decreto, do qual fazem parte integrante.1

Cumpria-se, assim inscrito em letra de lei de 24 de Novembro de 1936, sob a ordem corporativa imposta pelo Estado Novo, uma aspiração velha de quase vinte anos. A criação da Ordem do Engenheiros, entre outros argumentos, vinha confirmar o reconhecimento da engenharia como uma actividade essencial ao progresso do País e a consagração do estatuto social dos engenheiros como profissionais altamente qualificados no contexto económico, social e até político da época.

A questão da constituição da Ordem resultava da importância crescente que os engenheiros foram assumindo, da sua vontade de afirmação como classe, e inscrevia-se na problemática da defesa e definição do título de engenheiro, na procura de uma identidade, na defesa de um espaço de intervenção. Conjunta ou separadamente, todos estes aspectos se foram adaptando ao evoluir dos tempos, marcando o papel do engenheiro na sociedade e defendendo uma identidade profissional específica.

De resto, a aspiração de criar uma Ordem profissional, que já é evidente no período do pós I Grande Guerra, vai-se desenvolvendo no âmbito da acção da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses (criada em 1869), e decorre de um conjunto de circunstâncias que nos obriga a recuar no tempo por forma a conseguir contextualizar historicamente os acontecimentos e a abarcar um conjunto de temáticas cuja evolução devemos acompanhar: o reforço do papel dos engenheiros na sociedade, que paulatinamente se vão inserindo num conjunto alargado de actividades, tornando-se indispensáveis no sector produtivo e em particular no sector industrial, em crescimento; o ensino da engenharia visto como uma estratégia de desenvolvimento; a participação em todas as esferas de decisão incluindo a definição e a concretização das políticas económicas; a definição de uma estratégia de penetração e de afirmação pública como classe profissional organizada.

A primeira, que nos reporta ao século XIX, e ao tempo da Regeneração, tem a ver com o protagonismo que os engenheiros crescentemente vinham assumindo em diversas áreas da realidade portuguesa e que se traduzia numa presença cada vez mais intensa quer em termos de intervenção política, quer em termos da definição e condução das estratégias de desenvolvimento do País. Mas não só: também se lhes reconhecia importância como agentes portadores de inovação científica e tecnológica.

Assinale-se que, por essa época, boa parte dos engenheiros portugueses, não militares, fizera a sua formação no estrangeiro, em escolas francesas e alemãs, designadamente nas especialidades de engenharia civil e de minas, agronomia e florestas.
Foi nesse contexto que surgiram o Corpo de Engenharia Civil e Auxiliares (1864), e pouco depois, em 1869, a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, a primeira verdadeira associação profissional de engenheiros criada em Portugal2. De assinalar o facto de rapidamente esta instituição, que terá como herdeira a Ordem dos Engenheiros, se ter salientado, num primeiro momento como espaço de divulgação, plataforma de formação e, posteriormente, através de uma rede de contactos internacionais, pela importação de conhecimentos do exterior.

Acresce ainda a visibilidade que, durante décadas, outorgou à classe através da publicação da Revista de Obras Públicas e Minas (1870-1925).

Foi ainda neste quadro que se assistiu à prossecução de realizações diversas em que a vontade de modernizar o País passava por um apelo ao contributo dos engenheiros: é o caso da construção e desenvolvimento de infra-estruturas (pontes, estradas, caminho-de-ferro, portos…), dos estudos de reconhecimento do território e, obviamente, da sua integração na gestão das indústrias.

Refira-se, em abono da verdade, que os engenheiros se empenharam em corresponder a esses apelos promovendo e assinando projectos e reclamando para si iniciativas estratégicas de desenvolvimento do País.

Como já referimos em escritos anteriores, muitas dessas diligências, demasiado ousadas, acabaram por não ter concretização, ou porque, muitas vezes, o optimismo e voluntarismo se sobrepunham a um indispensável realismo, ou porque a Monarquia, a braços com uma profunda crise política e financeira, não estava em condições, nem tinha meios, para definir uma estratégia de desenvolvimento económico nacional, não reunindo, por isso, as condições necessárias à sua materialização.

A agravar estas circunstâncias, foi-se ampliando o debate que opunha, em termos de ideias, duas concepções contraditórias que deviam orientar aquela estratégia de desenvolvimento. De um lado uma concepção cuja matriz, em síntese, derivava das formulações de Oliveira Martins, fundadas em torno da lei do fomento rural (1887) que, no quadro das ideias da época, defendia a especialização do País na produção agrícola. Por outro, um conjunto de propostas dispersas, onde se defendia o apoio a uma industrialização sempre adiada, uma “revolução industrial nunca iniciada, uma “idade do ferro” que impotências e interesses inconfessáveis sempre iam fazendo abortar.

De qualquer forma, ainda no século XIX, apadrinhadas pelo poder público, surgiram em Portugal experiências inovadoras em diversos campos, designadamente ao nível da promoção do ensino técnico. A tudo não foi obviamente estranho o clima inspirador suscitado pelos países mais desenvolvidos e a existência de um ambiente internacional de prosperidade económica e de evidente dinamismo tecnológico – tão visível nas célebres exposições internacionais que doravante marcam o calendário “das realizações”.

Como referido, aconteceu sobretudo ao nível das “grandes realizações” infra-estruturais, estimulando a acção dos engenheiros, oferecendo-se assim terreno às expressões reais da engenharia civil.

O final do século XIX traria, porém, constrangimentos e inibições à prossecução desses trabalhos. Os tempos eram de acentuada agitação política e de hesitação em relação ao curso que se haveria de imprimir ao País.

A queda inexorável do regime é precipitada pelo regicídio. D. Manuel II sucede a D. Carlos, mas a monarquia, afundada em dívidas e sem apoio popular, “sucumbe” à implantação da República.

O período da I República ficou, no que diz respeito à história da engenharia e dos engenheiros em Portugal, marcado pelas iniciativas relativas ao ensino, reflectindo o reconhecimento da indispensabilidade de modernizar o ensino da engenharia, de o adaptar ao curso dos tempos e às novas exigências sociais, económicas e até políticas.
Participando, reflectindo e acelerando o processo de profissionalização dos engenheiros e uma aproximação mais íntima entre a engenharia e a actividade produtiva, estava na primeira linha o sector industrial.

Na verdade, passados os tempos agitados que se seguiram à Revolução republicana, era a altura de cumprir e pôr em prática os ideais e as propostas que o republicanismo vinha proclamando. Mesmo não se tendo concretizado tudo o que a República almejou em termos de ensino, foi logo no ano seguinte ao da sua proclamação que se registou um dos acontecimentos mais relevantes para o desenvolvimento da engenharia em Portugal.

Brito Camacho, ministro do Fomento, promulgou, em 23 de Maio de 1911, o decreto que criou o Instituto Superior Técnico, sob sua tutela.

A partir de então, os percursos entre a engenharia civil e militar3 são formalmente cortados e do recém-criado IST surgirá uma engenharia moderna aberta a novos processos e técnicas. Para director do IST, Brito Camacho convidou Alfredo Bensaúde, mineralogista e engenheiro que anos antes publicara o “Projecto de Reforma do Ensino Technologico para o Instituto Industrial e Comercial4. Tendo feito boa parte da sua formação na Alemanha, Bensaúde assumirá a direcção do recém-criado Instituto tendo sempre presente a indispensabilidade do desenvolvimento prático da investigação e a colaboração com o sector industrial. Eram então cinco os cursos de engenharia ministrados no IST: minas, engenharia civil, mecânica, electricidade e químico-industrial.

Além da criação do IST, que se manteve, ao longo de décadas, a escola de engenharia mais importante do País, deve ainda assinalar-se a iniciativa, ocorrida no mesmo ano, da reforma do Instituto Geral de Agronomia, que passa a denominar-se Instituto Superior de Agronomia e a formar engenheiros agrónomos e silvicultores.

Pouco tempo passado, em 1915, a Academia Politécnica do Porto é transformada em Faculdade Técnica, mais tarde Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (1926).

O IST foi criado a partir do Instituto Industrial de Lisboa (onde até então se ministravam cursos industriais e comerciais).
A parte do Instituto Industrial de Lisboa que ficou de fora deu origem, em 1914, à Escola de Construções, Comércio e Indústria (que a partir de 1918 voltaria à designação primitiva) – para a formação de técnicos industriais e comerciais, auxiliares de engenheiros e chefes industriais. O Instituto Industrial do Porto conheceu uma evolução semelhante.

Note-se que estas reestruturações confirmavam a intenção de separar claramente o ensino técnico superior e o ensino técnico médio e proceder à hierarquização entre os respectivos diplomados. Situação da qual decorreria o confronto, instalado por vários anos, entre os engenheiros e os condutores em torno da utilização do título de engenheiro5.

Os condutores, técnicos formados pelos institutos industriais, queriam ser designados por engenheiros, no que eram veementemente contestados pelos recém diplomados, sobretudo pelo IST, que pretendiam que o título de engenheiro lhes fosse atribuído em exclusividade. Embora o conflito, marcado por alguns episódios mais crispados, tenha ficado resolvido no sentido da afirmação da superioridade dos engenheiros formados no quadro do ensino universitário, a designação de condutor foi substituída pela de engenheiro auxiliar, embora viesse a ser retomada a partir de 19316.

Em 1924, a lei n.º 1638, de 23 de Julho, veio conferir o título de engenheiro auxiliar aos diplomados pelos institutos industriais e incluindo os condutores nessa designação.

A reacção dos engenheiros não tardou. Os alunos do IST mobilizaram-se numa greve académica, cujos efeitos, prolongando-se para lá do golpe militar de 28 de Maio de  1926, conduziram à efectiva protecção legal do título de engenheiro7 em exclusivo para os diplomados pelas escolas de ensino superior e conferindo o título de agente técnico de engenharia aos antigos condutores e aos diplomados pelos institutos industriais.

Em 1930 o decreto de protecção do título de engenheiro foi revisto8, acentuando a superioridade reconhecida aos diplomados pelo IST e pela FEUP e alargando a defesa do título às colónias. Pese a reacção dos diplomados pelas outras escolas9, sob o enquadramento proteccionista que o Estado Novo assegurou, o conflito foi de certa forma neutralizado, embora se tenha mantido latente ao longo das décadas seguintes; a tudo isto deve acrescentar-se a legislação restritiva em relação à actividade de engenheiros estrangeiros ou mesmo de portugueses formados em escolas estrangeiras10.

Quanto à questão do papel dos engenheiros no quadro do desenvolvimento económico do País, a I República, tal como a Monarquia Constitucional, não lograria trazer a estabilidade política e financeira. De resto, nesse aspecto, pouco se alteraria em relação ao passado, até porque em matéria económica a República não anunciava, propriamente, um programa de desenvolvimento.

A industrialização do País, área que, pela sua natureza, produziria dinâmicas e sinergias no campo da engenharia, tardava. Os caminhos que se indicavam para o País não colocavam tão pouco a industrialização na ordem do dia, além de que, os efeitos das inconstâncias políticas e das fragilidades das finanças públicas se repercutiram negativamente na iniciativa privada, já de si pouco disponível em concorrer com os seus capitais para a promoção industrial do País. São escassos os interesses da elite económica em apostar nesse sector – a agricultura e o comércio continuam a representar as suas preferências enquanto os seus capitais eram, em montantes cada vez mais elevados, colocados especulativamente no exterior.

A indústria continuou a ocupar uma posição de segundo plano em relação à agricultura, e assim se manteve por largos anos. Sector maioritariamente explorado de forma artesanal, dominado pelas indústrias mais tradicionais, sobretudo a têxtil e a alimentar (conservas de peixe e moagem), e alguma química (resinosos e adubos), a indústria pesada prima pela ausência.
Poucas são as unidades industriais inovadoras e essas encontram-se fortemente ligadas ao sector agrícola e muito concentradas em torno de Lisboa, a norte e a sul do Tejo.

Embora parcos, os desenvolvimentos ocorridos não eram estranhos à acção e à estratégia dos engenheiros que procuravam, de forma cada vez mais aberta, participar na definição das iniciativas conducentes à modernização do aparelho produtivo português e, simultaneamente, afirmar a indispensabilidade do seu desempenho numa relação cada vez mais estreita com a actividade produtiva e, em particular, industrial.
Por outro lado, é também neste contexto que se percebe a emergência e estruturação de uma outra dinâmica, que procurava definir um espaço e um caminho, que se alargaria e acentuaria no futuro, no sentido da organização dos engenheiros como corpo e como classe.

Os engenheiros da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, confiantes na sua capacidade técnica e confirmada a sua indispensabilidade, procuravam assim reforçar a sua identidade colectiva, assumindo-se como classe profissional dotada de uma consciência específica e identificável, reivindicando o seu lugar na sociedade. Sintomática a esse respeito, a revisão dos estatutos da Associação operada em Dezembro de 191711.

Daí resultava bem clara a especificidade dos engenheiros:  entende-se por engenheiro civil todo o indivíduo nacional ou estrangeiro, residente em território português, que possua o diploma de engenheiro em qualquer das especialidades em que se agrupam conhecimento que constituem a arte e a ciência da engenharia, acrescentando-se que os diplomas de engenheiro respeitavam aos passados por escolas de engenharia nacionais ou por escolas de engenharia estrangeiras acreditadas mundialmente. Como corpo, definem-se os fins da Associação. Entre outros, defender os interesses profissionais e materiais dos engenheiros portugueses sócios da Associação e que exerçam a sua profissão em território português, prestando-lhes todo o apoio necessário, quando se julgue útil aos interesses gerais da classe. Ficava assim explicitamente anunciado o caminho que, trilhado, seria aprofundado nos anos seguintes, catapultando a Associação para lá da sua natureza e vocação eminentemente científica.
Paumatinamente, durante os anos 20, o objectivo da criação de uma Ordem dos Engenheiros ganhou expressão e foi adquirindo forma. À intenção não era naturalmente estranha a questão da defesa do título de engenheiro que, como vimos, foi ganhando terreno nesta conjuntura. Refira-se, a propósito, a reacção da AECP12 à reorganização do Ministério do Comércio e Comunicações introduzida pelo governo republicano em 192013 e como, em representação ao Parlamento, os engenheiros da Associação consideram ter sido ferido o prestígio da classe14.

O essencial tinha a ver com a redução dos quadros de engenharia civil e com o facto de, na nova organização, ser dada aos condutores de obras públicas, que não são diplomados, ou que o não são em escolas de engenharia, a designação de engenheiros auxiliares15. A partir dessa data a questão da defesa do título de engenheiro ganha contornos de maior agressividade, decorrendo no quadro de um conflito aberto com o Grémio Técnico Português, e reforçando a ideia da criação de uma Ordem profissional.

Sucedem-se as reacções mais ou menos organizadas, os apontamentos, os artigos nas publicações afectas aos engenheiros, as representações aos poderes públicos, explicitamente divulgadas através do órgão da AECP, denunciando a invasão dos lugares de engenheiros por pseudo engenheiros16, acusando as circunstâncias em que se pode ser engenheiro auxiliar sem se ser engenheiro e que este substantivo junto à palavra auxiliar não corresponde a qualquer habilitação especial, mas somente a uma pura e simples benesse17. O desfecho da contestação, ao encontro das reivindicações da AECP (envolvendo o recurso à greve em 1924), aconteceu, como referido, em 1926, com a publicação do decreto n.º 11988, que consagrou a exclusividade da atribuição do título de engenheiro a uma formação académica superior, atribuindo aos diplomados com cursos médios a designação de “agente técnico de engenharia”.
Entretanto, fechara-se um ciclo político.

O golpe de 28 de Maio dava início a um período de Ditadura Militar que veria o seu termo com a institucionalização do Estado Novo, corporativo, em 1933.

Com a saída da cena política de Gomes da Costa e de Mendes Cabeçadas, emerge a figura do General Carmona, eleito Presidente da República em 25 de Março de 1928, que se apressa a chamar para o Governo Oliveira Salazar. A Ditadura Financeira, o êxito conseguido por este em termos do reequilíbrio financeiro e a sucessiva eliminação política dos seus principais adversários, conduzem Salazar (em Julho de 1932) à Presidência do Ministério. A ambiguidade dos primórdios da Ditadura vai-se gradualmente diluindo. O já histórico dirigente do sector católico conservador vai moldando e lançando as bases do novo regime que, sob a égide da fórmula corporativa, se vê formalmente legitimado pela nova Constituição de 1933 e pelo Estatuto do Trabalho Nacional.

Para trás ficara a Grande Depressão que, a partir de 1929, se propagava à escala mundial. É certo que o impacto e as consequências da crise mundial foram tardias e, de certo modo, mitigadas em Portugal.

Desde logo porque a própria arquitectura financeira e monetária laboriosamente cerzida por Salazar constituíram um amortecedor aos efeitos da crise mas, sobretudo, devido à fraca internacionalização da economia portuguesa.
No entanto, foi o suficiente para que se instalasse um certo mal-estar: o desemprego aumentou, diminuíram os rendimentos e juros de capitais colocados no estrangeiro, baixaram as cotações dos produtos de exportação e foi registada uma quebra das remessas dos emigrantes.

A tudo, deve acrescentar-se a angustiante constatação do atraso nacional, sobretudo no terreno industrial. Foi nesse contexto que, aproveitando a oportunidade que o momento político de certa forma oferecia, ganhou consistência a ideia de uma proposta industrializante do País, em boa medida protagonizada por engenheiros, na convicção de que era chegado o momento de promover o arranque auto-sustentado da economia portuguesa, viabilizado pelo motor industrial. O novo contexto internacional, de contracção dos mercados e de crescente proteccionismo, conduziu a uma mais intensa exploração dos
recursos nacionais. Tudo se conjugava, num quadro de propaganda nacionalista, no sentido de defender a industrialização do País, tal como vinha sendo feito, de maneira cada vez mais audível, em alguns meios industriais desde os finais da década de vinte.

Reivindicando a parcela do poder de que se julgam credores, engenheiros e industriais, confiantes nas suas virtudes, actuam em diversas frentes, convictos de que as suas ideias e habilitações, bem como as directrizes e projectos que preconizam, são passíveis de aceitação e realização mediante o consentimento e a participação do Governo. Foram eles os responsáveis pelo despertar de uma ideologia produtivista, voluntarista, industrializante, nacionalista, geradora de um modelo de desenvolvimento económico centrado no crescimento industrial, cuja possibilidade residia nas capacidades em recursos materiais do País e nas potencialidades empresariais dos homens18.

Procuraram, então, recorrendo à realização de iniciativas destinadas a trazer à discussão pública a realidade e o futuro da economia nacional, formular as bases para um projecto de política industrial, propondo as medidas conducentes a um verdadeiro processo acelerado de industrialização, definindo quer a sua própria actuação, quer o papel que o Estado haveria de desempenhar nesse processo.

Tudo isso ficou essencialmente consagrado no I Congresso Nacional de Engenharia (1931)19, organizado pela AECP e, pouco mais tarde, no I Congresso da Indústria Portuguesa (1933)20 em que os engenheiros participam maciçamente.
Na verdade, reforçando o percurso apontado, verificamos que nos anos 30, engenheiros e industriais acentuam interdependências e concertam esforços em termos de definição e orientação da linha de desenvolvimento económico do País, e empenham-se na defesa dos rumos que viabilizariam a reconstrução e o ressurgimento económico de Portugal através do seu desenvolvimento industrial.
Os engenheiros, cientes da sua força, da sua capacidade e competência, adoptam então uma estratégia claramente ofensiva.

Em termos gerais, procuraram concretizar as suas ideias, primeiro através de um explícito projecto de profissionalização e pela consolidação da defesa do título de engenheiro em que se enquadra a criação da Ordem; logo depois, pela assunção de um protagonismo cada vez mais evidente no quadro da definição da política e da estratégia económica do País. As suas intervenções públicas são cada vez mais visíveis, assumindo papéis na administração pública e no Governo, publicando artigos e manifestos... nos seus órgãos privilegiados (a Revista da AECP; A Técnica, da Associação dos Estudantes do IST; e a Revista de Engenharia da FEUP), ou através da organização de eventos onde avulta o I Congresso Nacional de Engenharia (1931).

É nesse tempo que se inscreve de forma mais clara a insistência dos engenheiros no sentido da criação da sua Ordem. Foi assim que a ideia da criação da Ordem foi gradualmente ganhando adeptos e forma.


Em todo esse processo participaram vários elementos da nova geração de diplomados pelo IST, entre os quais se realça, uma vez mais, o nome de Ferreira Dias.

Em suma, o final dos anos 20 e os primeiros anos da década de 30 são dominados, no âmbito da AECP, por três questões essenciais: a regulamentação da actividade do engenheiro e a institucionalização de uma organização profissional, a organização do I Congresso Nacional de Engenharia e a aquisição de uma nova Sede. Questões a que dedicaremos o próximo artigo.

BIBLIOGRAFIA
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  • Brito, José Maria Brandão de, A Industrialização Portuguesa no Pós-Guerra (1948-1965). O Condicionamento Industrial, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1989.
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  • Engenho e Obra. Uma abordagem à História da Engenharia em Portugal no Século XX, Coord. J. M. Brandão de Brito, Manuel Heitor e Maria Fernanda Rollo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002.
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  • Momentos da Inovação e engenharia em Portugal no Século XX, 3 vols., coord. de J. M. Brandão de Brito, Manuel Heitor e Maria Fernanda Rollo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004.
  • Revista da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses.
  • Revista da Faculdade de Engenharia.
  • Revista da Ordem dos Engenheiros.
  • Revista de Obras Públicas e Minas.
  • Rollo, Maria Fernanda, “Percursos Cruzados”, in Engenho e Obra. Uma abordagem à História da Engenharia em Portugal no Século XX, Coord. J. M. Brandão de Brito, Manuel Heitor e Maria Fernanda Rollo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002.
  • Técnica.

1 Decreto-lei n.º 27 288, de 24 de Novembro de 1936, Suplemento ao Diário do Governo, I Série, n.º 276, 24 de Novembro de 1936; Diário do Governo, I Série, n.º 294, 16 de Dezembro de 1936.
2 Vd. sobre esta matéria os trabalhos de Ana Cardoso de Matos e de Maria Paula Diogo. Nomeadamente Ana Cardoso de Matos, “Os engenheiros e a transferência de tecnologia na 2.ª metade do século XIX”, working paper apresentado no XX Encontro da Associação de História Económica e Social, Porto, 2000 e Maria Paula Diogo, A construção de uma identidade profissional. A Associação dos Engenheiros Civis Portugueses. 1869-1937, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 1994.
3 Criada em 1837, na sequência da Revolução Liberal, a Escola do Exército foi reestruturada com o advento da I República, traduzindo-se essa reestruturação na supressão do curso de engenharia civil e a redução do curso de engenharia militar para dois anos, passando as cadeiras técnicas que o compunham a ser leccionadas no IST.
4 “Projecto de Reforma do Ensino Technologico para o Instituto Industrial e Comercial” (Lisboa, 1892).
5 Ver sobre esta questão Maria de Lurdes Rodrigues, Os Engenheiros em Portugal, Celta Editora, Oeiras, 1999, p. 87 e seg..
6 Pelo decreto n.º 20 238, de 21 de Setembro de 1931.
7 Decreto n.º 11 988, de 29 de Julho de 1926.
8 Decreto n.º 19 161, de 23 de Dezembro de 1930.
9 Sobretudo através da acção do Grémio Técnico Português. Ver Boletim do Grémio Técnico Português.
10 Decretos n.os 13 080, 15 089, 15 819, 16 171, 16 946, de 28 de Janeiro de 1927, 29 de Fevereiro, 8 de Agosto e 29 de Novembro de 1928 e 8 de Junho de 1929, respectivamente.
11 Estatutos da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses aprovados nas sessões da Assembleia Geral de 20 de Dezembro de 1917 e 27 de Janeiro de 1937, Papelaria Fernandes, Lisboa, 1950 e “Estatutos”, in Revista de Obras Públicas e Minas, n.º 571/576, Julho/Dezembro de 1917, p. 123.
12 “Representação ao Parlamento acerca da Reorganização do Ministério do Comércio e Comunicações”, in Revista de Obras Públicas e Minas, n.os 607 a 612, Julho a Dezembro de 1920, pp. 127-137.
13 Decretos n.os 7 036 e 7 039 de 17 de Outubro de 1920.
14 “Representação ao Parlamento acerca da Reorganização do Ministério do Comércio e Comunicações”, in Revista de Obras Públicas e Minas, n.os 607 a 612, Julho a Dezembro de 1920, p. 127.
15 Idem, p. 131.
16 “Cópia da representação da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses ao Exmo. Sr. Ministro do Trabalho”, in Revista de Obras Públicas e Minas, n.º 625, Dezembro de 1923, p. 30.
17 Idem, p. 29.
Ver, a propósito, a “Representação” dirigida ao Senado em 1924, publicada na Revista de Obras Públicas e Minas, n.º 631, Dezembro de 1924, p. 172-174.
Eng.º Manuel da Silveira e Castro Presidente do Congresso Ministro do Comércio e Comunicações com os membros da Comissão Organizadora do Congresso na sessão solene de abertura in Revista da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, N.º 674, Agosto de 1931
18 Vd. sobre este tema os trabalhos de J. M. Brandão de Brito, em particular, “Os Engenheiros e o Pensamento Económico do Estado Novo” in A.A.V.V. - Contribuições para a História do Pensamento Económico em Portugal, “Universidade Moderna, 84”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988, pp. 211-234 e A Industrialização Portuguesa no Pós-Guerra (1948-1965). O Condicionamento Industrial, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1989.
19 I Congresso Nacional de Engenharia, Lisboa 1931. Relatório, Imprensa Libanio da Silva, Lisboa, 1931.
20 I Congresso da Indústria Portuguesa. Indústria Continental, Lisboa, de 8 a 15 de Outubro de 1933, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1933.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa


Publicado na Revista Ingenium N.º 91 - Janeiro/Fevereiro de 2006

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