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Portugueses, Patriotas, Preferi Produtos Portugueses!, 1932

No início dos anos 30, do século XX, assiste-se, como é sabido, à institucionalização do Estado Novo. À aprovação do Acto Colonial e dos estatutos da União Nacional, em 1930, sucederam-se a Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional, ambos em 1933 e, posteriormente, um conjunto de medidas de organização do Estado Corporativo. Ficavam, também por essa via, assentes os pressupostos e as linhas de actuação que Oliveira Salazar estruturara e entendia deverem orientar a actuação do Governo.

No campo económico, confirmava-se o primado atribuído às Finanças, relegando para segundo plano, e a ele subordinando, a questão do desenvolvimento. Ficariam ainda estabelecidos os contornos do que seria o papel e a acção do Estado Novo nesse domínio, no essencial circunscrito à acção da criação de infra-estruturas essenciais (através da consecução de uma política adequada de obras públicas), e a providenciar no sentido de uma fácil obtenção do crédito, de energia barata e de uma protecção à produção nacional através de ajustamentos das pautas alfandegárias; tudo o mais seria do foro dos industriais, da iniciativa privada – assim falou Salazar em 1933, no I Congresso da Indústria Nacional.

Muito distintas, no fundamento e na estratégia, desse projecto do Governo, eram as propostas que vinham surgindo entre aqueles que, na oportunidade do momento, procuravam definir e impor um rumo diferente para o país. Assim pretendiam engenheiros e industriais, conscientes das profundas alterações ocorridas na ordem económica nacional e internacional, que acreditavam ter, finalmente, chegado a sua hora; entre outros argumentos, os efeitos da crise mundial desencadeada em 1929 estimulava a ideia de que se aproximava o momento de viragem pelo qual almejavam. Ou seja, que estavam reunidas as condições que permitiriam iniciar um processo de mudança que transformasse o Portugal tradicionalmente agrícola e “atrasado” num novo país desenvolvido e modernizado.

No seu espírito surgia a ideia de que se estava à beira daquele instante de arranque industrial que faria de Portugal um país de vanguarda dignificando-o aos olhos do exterior e colocando-o à altura das economias industriais.
Assim ficaria defendido e proclamado no mesmo I Congresso da Indústria Nacional que reuniu em Lisboa em 1933.
O encontro representava o culminar lógico de uma estratégia concebida pela Associação Industrial Portuguesa (AIP) e cujo arranque remontava a 1928. Tratou-se de um programa formalmente inaugurado com a fundação da revista “Indústria Portuguesa”, cujo primeiro número saiu para as bancas em Março de 1929, prosseguiu com uma série de conferências de interesse industrial realizada na sede da Liga Naval em 1928, a Feira de Amostras da Indústria Portuguesa no Estoril no Outono de 1929, a Semana do Trabalho Nacional em Novembro de 1931 e a Grande Exposição Industrial Portuguesa cujo termo coincidiria com a realização do Congresso da Indústria.

A Grande Exposição Industrial Portuguesa apresentava-se ela própria como a “prova clara, expressa, insofismável, iniludível de que Portugal está prestes a transpor as fronteiras do núcleo industrial da Europa”1. Foi, na verdade, sob o signo deste optimismo que em 1932 acorreram ao 1.º Ciclo da Exposição mais de mil industriais. Fazendo fé em que nessas iniciativas residia o fulcro da propaganda dos recursos industriais de que cada país dispunha; o certame promovido pela AIP pretendia não só provar que Portugal era um país dotado de um aparelho industrial diversificado e afirmar que os produtos nacionais em nada eram inferiores aos seus similares estrangeiros, como fazer com que o Estado deixasse de ver na actividade industrial um elemento parasitário e irrelevante para o ressurgimento económico do país, passando antes a considerá-lo como importante factor da riqueza nacional merecedor da promulgação de leis e da adopção de medidas destinadas a ampará-lo e fortalecê-lo. Tal necessidade era ainda mais premente quando parecia evidente, como defendiam os industriais, que só através da produção industrial se poderia fazer face à crise de desemprego que então assolava a sociedade portuguesa. Foi com estes objectivos que a AIP (com a colaboração da sua congénere portuense) promoveu a realização do 1.º Ciclo da Grande Exposição Industrial, entre Outubro e Dezembro de 1932, no pavilhão do Parque Eduardo VII a que sucedeu, entre Junho e Outubro de 1933, um 2.º Ciclo, dessa grande parada nacionalista.

A AIP empenhava-se incondicionalmente nesse esforço de propaganda industrializante, apoiado na ideia de ressurgimento nacional que considerava o sector industrial como motor do desenvolvimento económico. Havia, por isso e antes de mais, que afirmar a capacidade e vitalidade do sector industrial português, negando o aforismo que fazia de Portugal um país fatalmente agrícola e pela promoção de uma campanha agressiva do trabalho industrial nacional destinada a eliminar a concorrência dos produtos estrangeiros; propaganda que se afirmaria na fórmula que a Indústria Portuguesa então ostentava: “Portugueses, Patriotas, Preferi Produtos Portugueses!”, ou outras expressões como “só é bom português aquele que exige e prefere produtos portugueses”.2

Completando esse quadro de propaganda nacionalista do estado progressivo da indústria e concorrendo para a teorização formal da política desenvolvimentista baseada na indústria que vinha crescendo nos meios industriais desde os finais da década de vinte, decorreu então, em simultâneo com a recta final do 2.º Ciclo da Exposição, o I Congresso da Indústria Portuguesa (Indústria Continental).

A orientação a imprimir a essa assembleia magna tinha sido definida por José Maria Álvares no dia da tomada de posse da Comissão Organizadora do Congresso (Julho de 1932): a sua principal finalidade deverá ser a sistematização das indústrias e a emissão de votos que possam ser apresentados ao Governo como indicações para a solução a dar aos mais instantes problemas industriais.3

Oficializando esse intuito pragmático o Regulamento Geral do Congresso afirmava que “O programa de trabalhos do Congresso visa a votação de conclusões, devidamente fundamentadas em comunicações e relatórios, sobre (...) [diversos] assuntos apenas interferentes com a Indústria Nacional”4. Animados por essa orientação e obedecendo às suas directrizes, reuniram-se então Pela primeira vez em Portugal, os industriais, os economistas, os técnicos, o professorado, os órgãos do Estado mais em intimidade com a nossa actividade industrial5 que haveriam de formular um projecto de política industrial e uma proposta consequente cujo fim último era o lançamento de um verdadeiro processo de industrialização acelerado.

Compreendendo numerosas deliberações, as propostas apresentadas e aprovadas no Congresso cumpriam os enunciados defendidos no programa acima sumariado e que podem resumir-se em três teses principais:

(i) a afirmação de que as actividades industrial e agrícola deviam ser complementares, devendo a segunda deixar de constituir um obstáculo ao desenvolvimento do sector industrial – propondo veladamente a subordinação da esfera agrícola à industrial;
(ii) a necessidade do intervencionismo estatal; o Estado devia afirmar-se como o superior orientador e dirigente da indústria nacional e para isso era fundamental dotar-se de um forte aparelho legal, devia prosseguir e robustecer uma política de apoio às necessidades da indústria provendo a criação de infra-estruturas, facilitando o crédito, protegendo os mercados, desenvolvendo uma política de mão-de-obra assente na fixação de salários e horários mínimos, etc. – para tanto, pediam ainda os industriais, era também necessário que o próprio Estado deixasse de se afirmar como um concorrente da indústria privada e
(iii) a urgência do lançamento de um projecto de industrialização, através da implantação das indústrias de base e seguindo uma política de substituição de importações, proclamando a papel insubstituível do sector industrial para a riqueza nacional e considerando que ele constitui o vector indispensável que gera o crescimento económico.

A proposta e o projecto de industrialização do país receberam a resposta que Oliveira Salazar proferiu na sessão de encerramento do Congresso: “Segui com o maior interesse as teses apresentadas e a sua discussão. Há, certamente, entre elas algumas que podem chamar-se ambiciosas, programas vastos de mais para um futuro imediato, que passam além das possibilidades de momento: mas há também o reconhecimento de necessidades urgentes (...), o traçado de grandes orientações que aos Poderes Públicos incumbe estudar para conveniente adaptação à sua política geral”6, afirma Salazar para logo a seguir adiantar: “os que sabem garantir a ordem, saneiam a moeda e barateiam o crédito, facilitam os meios de comunicação, manejam pautas, negoceiam tratados comerciais e organizam os trabalhadores, pretendem apenas criar condições indispensáveis à produção portuguesa – pretendem apenas habilitar as iniciativas privadas a fazer tudo o que é do seu direito e do seu dever, e a avançar até onde aquelas condições lhe permitam ir”.7 O enunciado confirmava o essencial do pensamento de Oliveira Salazar quanto ao papel do Estado e às opções e caminhos que o país deveria trilhar em matéria de desenvolvimento económico. No seu entendimento, que o futuro confirmaria, o Estado reservava para si as tarefas de unificar o mercado interno, garantir os mercados externos, reduzir os custos do capital e do trabalho, disciplinar a sociedade; aos industriais, competiria tão só e apenas aproveitar as condições que lhe eram proporcionadas sem querer andar depressa de mais, nem apresentar propostas reivindicativas que o Estado não podia tolerar.

Apesar de tudo o esforço dos empresários não foi completamente em vão. Promulgaram-se algumas medidas legislativas que vinham na linha dos desejos aventados pelos industriais e registou-se alguma vitalidade na vida industrial da época. Houve, porém, que esperar pelo final da década de 50 para que fosse aceite uma estratégia industrial global e se adoptasse algo que ia ao encontro do projecto industrializante formulado nos primeiros anos da década de 30.

1 “O importante certame de Setembro”, Indústria Portuguesa, AIP, nº 52, Junho, 1932, p. 18.
2 “A força das circunstâncias”, in Indústria Portuguesa, nº 55, Setembro 1932.
3 “Uma grande parada da indústria nacional”, Indústria Portuguesa, AIP, nº 53, p. 58.
4 I Congresso da Indústria Portuguesa (Indústria Continental). Regulamento Geral, Tip. da Empresa do Anuário Comercial, Lisboa, 1932, p. 4.
5 “O Congresso”, Indústria Portuguesa, AIP, nº 69, Novembro, 1933, p. 17.
6 Oliveira Salazar, “A acção governativa e a produção industrial”, Discursos, vol. I, 1928-1934, Coimbra Editora, Lda., 5ª edição, p. 252.
7 Idem, p. 253.


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Publicado na Revista Ingenium N.º 121 - Janeiro/Fevereiro de 2011

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