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No Centenário da CUF - O “Grande Industrial” Alfredo da Silva (1871-1942) - I

1. Da génese à instalação da CUF no Barreiro, em 1908



Celebra-se este ano o centenário da instalação da CUF no Barreiro, onde, entre outras iniciativas, se prevê a realização de uma exposição dedicada à história do que foi o maior grupo económico do País.
Na verdade, entre os “sete magníficos”, os principais grupos que dominavam a economia portuguesa antes da Revolução de 1974, a CUF era não só o mais poderoso como o mais complexo e diversificado. Chegou a integrar mais de 100 empresas, participando em praticamente todos os sectores da actividade económica nacional, desde o têxtil, entre as indústrias mais tradicionais, à química, aos petróleos e à construção naval, detendo importantes posições no sistema bancário e segurador, conferindo-lhe também o lugar de maior grupo financeiro do País.
A história da CUF está indelevelmente ligada ao seu principal impulsionador, Alfredo da Silva, a cuja biografia se dedica este e o próximo artigo.
O primeiro grande industrial português1, “O Comercialista n.º 1”2, o industrial mais empreendedor em toda a Península Ibérica3, o grande patrão da economia portuguesa da primeira metade do século4, assim tem sido designado Alfredo da Silva.
Porventura o exemplo mais bem acabado de capitão da indústria em Portugal, associou-se-lhe durante algum tempo a ideia de self made-man bem sucedido. Inegáveis, o importante ascendente e a poderosa influência que deteve e que exerceu a todos os níveis da sociedade portuguesa da primeira metade do século XX (gerindo uma vasta rede de relações pessoais que, desde cedo, foi tecendo). À sua vida ficaram indelevelmente ligadas a CUF, o Barreiro, a Carris, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, a Tabaqueira, a Seguradora Império... e um rol quase inumerável de ramificações e actividades que abrangeram todos os sectores da realidade económica nacional, e se encontravam, de alguma forma, articulados entre si - expressão de estratégias e de lógicas, ao tempo, inovadoras em Portugal.

Alfredo da Silva nasceu em Lisboa, no dia 30 de Junho de 1871, no seio de uma família abastada. Filho primogénito de Emília Augusta Laymé da Silva e de Caetano Isidoro da Silva. Seu pai era regenerador e assíduo leitor de o Jornal da Noite fundado por Ferreira de Castro. Caetano da Silva tinha constituído com o irmão e padrinho de Alfredo da Silva, Alexandre Roberto, a firma Silva & Irmão, cerca de 16 anos antes, durante o reinado de D. Pedro IV, sob Fontes Pereira de Melo e, entre outras, tinha uma casa de comércio na Rua Bela da Rainha, n.º 185, a mesma rua em que habitava.

Em 1885, Caetano Isidoro da Silva morreu, deixando uma fortuna considerável5. Na verdade, além da próspera firma, possuía propriedades imobiliárias e títulos de crédito de algumas das maiores companhias e bancos de Lisboa (entre aquelas, a Companhia das Águas, a Companhia do Gás Lisbonense, a Companhia dos Caminhos de Ferro, a Carris, a Companhia de Crédito Predial, a Companhia de Seguros ‘Bonança’ e outras do mesmo ramo de seguro; entre aqueles, o Banco de Portugal e o Banco Lusitano6). Alfredo da Silva, com 14 anos de idade e três irmãos mais novos (Maria Emília, Ricardo e Alexandre) assumiu as funções de administrador dos bens da família.

Alfredo da Silva frequentava então o Liceu Francês, onde, por influência do pai, dedicava particular atenção à matemática, ao francês, ao inglês e ao alemão. Ingressou seguidamente no Curso Superior do Comércio no Instituto Comercial e Industrial de Lisboa (então situado no velho casarão do Conde Barão, na Rua da Boa Vista). Em 14 de Julho de 1891 tinha sido aprovado em todas as cadeiras que pela lei vigente constituíam o Curso Superior do Comércio7. Entretanto, foi aprovada a reforma
do ensino comercial, agrícola e industrial, levada a cabo, em princípios de Outubro de 1891, pelo ministro João Franco.
A nova lei escolar criava um 5.º ano para os cursos do Instituto Comercial e Industrial de Lisboa, não garantindo a equivalência de algumas cadeiras do antigo regime. Em vão, Alfredo da Silva se empenhou na contestação da reforma, promovendo encontros entre os alunos e escrevendo cartas e artigos na tentativa de anular as recentes medidas governamentais.
A reforma entrou em vigor e Alfredo da Silva, como outros estudantes, foi obrigado a inscrever-se no Instituto, nas cadeiras que lhe faltavam, nas equivalências estabelecidas, obrigando-o a frequentar o Instituto por mais um ano para poder acabar o curso. Em 1892 conclui, então, o curso conforme o estipulado pela reforma contra a qual havia lutado.

Jovem, bem vestido e usando bigode castanho-escuro, Alfredo da Silva, que havia já entrado, pela mão de Luciano Cordeiro, na Sociedade de Geografia, começava a participar nas assembleias-gerais das companhias de que era accionista, intervindo criticamente e de forma ousada, mas oportuna.

Na assembleia-geral da Companhia dos Caminhos de Ferro critica destemidamente a forma como se queriam fazer aprovar as contas relativas ao ano de 1891, numa altura em que se adivinhava o célebre escândalo que envolveu a Companhia, tendo o Governo já nomeado uma comissão de sindicância. Chegou mesmo, no decurso da assembleia extraordinária que se realizou pouco tempo depois, a apresentar um protesto8 e a recusar-se a assinar a acta da assembleia-geral alegando incorrecções no balanço de 1891, a irregularidade das contas e a omissão do estado de falência da Companhia no respectivo relatório do conselho.

De maior projecção foram as suas intervenções e a sua acção como accionista do Banco Lusitano. As primeiras intervenções de Alfredo da Silva nas assembleias de accionistas do Banco datam de Novembro e Dezembro de 1891 onde, usando a sua bengala de castão de prata, ergueu o seu protesto, acompanhado de João Alfredo Dias, em relação ao protelamento da discussão das contas, alegando que se procurava afinal esconder irregularidades das contas; acabou mesmo por ser expulso da sala no decurso da segunda sessão. Em Fevereiro seguinte partiu para o Porto onde esclareceu o propósito da sua intervenção na assembleia realizada em Lisboa, procurando o apoio dos accionistas nortenhos contra a actuação da direcção vigente9.
Terá Alfredo da Silva conseguido mobilizar cerca de oitocentos accionistas nortenhos. A 6 de Fevereiro realizou-se em Lisboa a assembleia do Banco Lusitano estando presente um capital de 11.000 acções. Aprovada a acta da sessão anterior, o presidente da Assembleia apresentou então um ofício da direcção anterior através do qual essa se demitia. As notícias tiveram eco na imprensa dos dias seguintes10, dando conta da composição da nova direcção do Banco Lusitano, pondo à luz do dia as fraudes cometidas pelos anteriores responsáveis, acabando na prisão o seu Presidente, embora viesse a ser absolvido. Os acontecimentos sucederam-se, procurando Alfredo da Silva lutar em todas as vertentes contra a falência do Banco. Num novo encontro de accionistas do Lusitano em 2 de Abril, no Porto, realizou eleições: ficaram como directores efectivos António Higino Salgado Araújo, António Joaquim Alves Vieira, Arnaldo Alves da Silveira, João Afonso de Carvalho, João José de Sousa Lage, José Manuel Romão e Leonardo Moreira Leão da Costa Torres; como substitutos, Adolfo Fernandes Barbosa, Alfredo da Silva, José da Silva Pimenta, Bernardo José de Oliveira e Carlos José de Oliveira. Pouco depois, Alfredo da Silva aceitou assumir o lugar de director. Na prática, assumiria progressivamente crescentes responsabilidades na condução dos destinos do Lusitano, procurando gerir a complexa situação de esclarecimento das fraudes e negócios ilícitos que vinham acontecendo desde 1876 e que vinham empurrando o Banco para uma morosa agonia que se arrastaria pelos anos seguintes.
Alfredo da Silva manteve-se na condução dos negócios do banco até ser pronunciado, em Agosto de 1894, o acórdão favorável
da Relação de Lisboa satisfazendo a pretensão dos administradores do Banco. Homologada a concordata, Alfredo da Silva deixou o Lusitano nas mãos de Moreira de Almeida e Petra Viana.

Participava também Alfredo da Silva nas assembleias da CCFL, de que sua mãe era obrigacionista. Em 1892, a direcção da Carris convidou Alfredo da Silva a realizar uma visita de estudo a algumas cidades da Europa onde os melhores sistemas de tracção mecânica estivessem a funcionar. O relatório que produziu terá sido o elemento decisivo para a adopção do sistema de tracção eléctrica com condutor aéreo por parte da Carris. Ultrapassados diversos diferendos, objecções e críticas no âmbito de uma opinião que via com maus olhos a participação de capitais estrangeiros no empreendimento, em breve começariam os trabalhos de assentamento das vias, que a Lisbon Electric Tramways, empresa de capitais britânicos a quem a Carris arrendara as linhas, adjudicara à Portuguese Construction Company. Por fim, na madrugada de 31 de Agosto de 1901 o primeiro eléctrico lisboeta percorria o trajecto Terreiro do Paço a Belém e Algés. Alfredo da Silva, que viria a ser director da Companhia entre 1896 e 1899, com Zófimo Consiglieri Pedroso e Carlos Krus, tinham sido os principais obreiros desta transformação.

Foi ainda enquanto director do Lusitano que Alfredo da Silva comprou ao Banco de Portugal acções da Aliança Fabril de que o Banco Lusitano era credor. Alfredo da Silva vinha mantendo contactos com a direcção da Companhia, no sentido de resolver um débito que ascendia a 38 contos. Na verdade, no início de 1893 a Aliança Fabril encontrava-se numa difícil situação – à qual procurava fazer face remodelando e reapetrechando a fábrica que possuía na Avenida 24 de Julho. A relativamente pequena Aliança Fabril fabricava essencialmente velas, sabões duros e moles, óleo de purgueira, glicerina, oleína e outros produtos, enfrentando uma forte concorrência dos produtos estrangeiros similares, especialmente de origem inglesa.

Ao seu estilo, Alfredo da Silva participou na reunião de accionistas que teve lugar em 7 de Abril de 1893, formulando críticas em relação à direcção da companhia, num protesto a que se associaram Martinho Guimarães do Conselho Fiscal e Driesel Schroeter, futuro ministro da Fazenda de João Franco, apontando para a necessidade de reformar os estatutos da Aliança Fabril. Foi então nomeada uma comissão destinada a proceder a essa reforma (dela fazendo parte Alfredo da Silva), e eleitos novos corpos gerentes: Eusébio Serôdio Gomes, Manuel José Gomes Revelo e João Eduardo Ahrends e como substitutos
Feliciano de Abreu e Alfredo da Silva. Todavia, Ahrends não aceitou o cargo e o lugar que deixou vago foi imediatamente ocupado por Alfredo da Silva.

Alfredo da Silva assumiu, assim, as suas novas funções de administrador-gerente da Aliança Fabril. Casou-se no ano seguinte, em 19 de Abril de 1894, com Maria Cristina Resende Dias de Oliveira, sendo seu padrinho o banqueiro João Baptista Dotti, um dos principais accionistas da Companhia Aliança Fabril. Dedicou-se por inteiro à actividade da fábrica da Avenida 24 de Julho, não deixando, contudo, de participar nas sessões da Sociedade de Geografia (onde assumiu o cargo de secretário da secção da indústria e participou na comissão de reforma dos estatutos da Sociedade colaborando com Luciano Cordeiro) então dominadas pelas discussões em torno dos problemas de administração colonial, em particular a questão da concessão do caminho de ferro do Chire.

Até então soubera bem aproveitar e habilmente rentabilizar o capital que herdara, construindo um caminho próprio onde desde
já se denotam um carisma pessoal ou pelo menos um estilo próprio e a capacidade que a fortuna lhe foi propiciando de bem tecer e coordenar uma rede de conhecimentos que se entrecruzarão ao longo da vida.

Germina agora no pensamento de Alfredo da Silva a ideia de criar as condições para a fusão da Aliança Fabril com a sua congénere e concorrente União Fabril. Sem dúvida um passo arrojado, embora Alfredo da Silva gozasse já de um relevante ascendente na vida dos negócios portugueses, de tal forma que lhe permitia escolher e fazer aprovar, não só a direcção da Associação Comercial, mas ainda a dos membros dirigentes das respectivas secções. Até a Sociedade de Geografia o tinha nomeado, nesse ano [1897], para a sua comissão de contas11. De resto, a Aliança Fabril e a União Fabril, duas companhias
congéneres e rivais, tinham alguns accionistas comuns, a começar pelo próprio conde de Burnay, que Alfredo da Silva terá conhecido na Carris.

A União Fabril, fundada em 1865, tinha as suas fábricas em Alcântara e os escritórios na Rua da Alfândega. Dedicava-se ao fabrico e venda de produtos similares aos produzidos pela Aliança Fabril e outros, como óleos de palmiste, linhaça, purgueira, mendobi e rícino, coconote para engorda de animais, adubo para a terra (adubos orgânicos e bagaços alimentares para gado). Era administrada por Feliciano Gabriel de Freitas (advogado do Banco de Portugal, que travou relações com Alfredo da Silva a propósito dos acontecimentos em torno do Banco Lusitano) e por Constant Burnay (tio de Henry Burnay).

O acordo foi assinado entre as duas companhias em 24 de Agosto de 1897. Em 1898 foi aprovada a fusão pelas respectivas assembleias de accionistas, foram reformados os estatutos da Companhia da qual Alfredo da Silva toma posse como administrador-gerente, entrando imediatamente em actividade. São os outros administradores Constant Burnay, Martin Weinstein e Gabriel de Freitas.

Em poucos anos a CUF impor-se-á como uma referência no âmbito do panorama produtivo nacional. A sua história e a da laboriosa construção do grupo económico a que deu origem surge como o cumprimento dos desígnios de uma lógica inexorável, inteligivelmente concebida, interpretada e executada pelo seu criador. Refiram-se as suas principais etapas, à medida em que vamos acompanhando a biografia de Alfredo da Silva. Histórias partilhadas e que se confundem em prol da industrialização do País, e combatendo activamente a ideia feita de que Portugal era um país essencialmente agrícola.

A CUF continuou a sua actividade dentro dos mesmos produtos (velas, óleos, adubos...), enfrentando algumas dificuldades, até colocadas pela concorrência, mas beneficiando da pauta proteccionista de 1892, que permitiu que o sector dos sabões, óleos e
velas [atravessasse] um período auspicioso12.

São desde logo promovidos os esforços necessários no sentido de procurar melhorar e modernizar a actividade da nova CUF. Alfredo da Silva prossegue a sua cruzada: melhora as instalações da fábrica de sabão em Fontainhas, abre uma agência em Tomar para venda de adubos, no final do ano 1902 apresenta ao Conselho de Administração um projecto e a respectiva planta de construção de um apeadeiro ou estação de caminho de ferro dentro da fábrica das Fontainhas, que é concretizado em 1903. Os resultados e o reconhecimento público do esforço desenvolvido também não se fazem esperar: logo em 1901 são-lhe atribuídos dois galardões - 2 medalhas de ouro, uma obtida na Exposição Universal de Paris, outra na Exposição Industrial de S. Miguel. Em 1904, a CUF concorre à Exposição Internacional de S. Luís onde obtém o “Grand Prix”, duas medalhas de ouro e uma de prata; na Exposição Industrial do Porto, obtém igualmente o primeiro prémio, diploma de honra e medalha de ouro13.

Crescem a importância e o respeito pelo industrial que se vai impondo nas diversas esferas da sociedade portuguesa; não apenas pela sua actuação na CUF mas pelo dinamismo e relevância com que vai participando na vida pública: intervindo no que se refere a matérias económicas junto dos poderes públicos através de representações junto da Câmara dos Deputados e encontros com o ministro da Fazenda ou participando na actividade da Associação Industrial Portuguesa.

Regenerador, como fora seu pai, Alfredo da Silva não hesitará em acompanhar João Franco, que em 1901 tinha provocado uma cisão dentro do Partido Regenerador dando origem ao Partido Regenerador-Liberal. João Franco vinha introduzindo uma nova forma de fazer política: criara delegações do seu Partido Regenerador Liberal por todo o país, realizava comícios, descia à rua desenvolvendo um trabalho político de massa que não era comum entre os partidos monárquicos.
O discurso modernizante e as propostas reformistas, a ideologia martiniana, a exigência de um governo forte capaz de conduzir um verdadeiro programa de fomento nacional por que Franco propugnava, tornavam-no uma aposta válida e uma alternativa credível aos olhos de Alfredo da Silva. Por isso, quando foi chamado ao poder por D. Carlos, na sequência da demissão de Hintze Ribeiro (Maio de 1906), exibindo e denunciando uma vez mais o desgastante e constante descrédito em que se encontrava a governação e a acção dos partidos rotativos, Franco contava já com o apoio de Alfredo da Silva entre outros notáveis das “forças vivas” da nação – embora, como é sabido, o franquismo representasse, em termos políticos, uma realidade bastante isolada apesar das expectativas e esperanças suscitadas.
Em Agosto de 1906, Alfredo da Silva estava presente na inauguração do Centro Marques Leitão em Alcântara, acontecimento tumultuoso no decurso do qual Franco, que vinha prometendo liberdades e eleições ”à inglesa”, proferiu a célebre frase “o partido republicano está precisado de uma data de sabre como de pão para a boca”. Conta um dos biógrafos de Alfredo da Silva que Estas palavras imprudentes baixaram logo à rua e, como pranchadas de sabre, circularam por entre o povo desvairado. No final da sessão, à saída, há novos apupos ao Chefe do Governo e é violentamente apedrejado o automóvel particular de Alfredo da Silva onde os dois se refugiaram. [Deste incidente saiu ferido] Alfredo da Silva (…), e mais decidido do que nunca a continuar firme na contenda14.

Na verdade, nas eleições que decorreram nesse mês, em que Franco manteve a “ignóbil porcaria” (lei eleitoral de 1901) que ele tanto combatera, Alfredo da Silva foi eleito deputado franquista. Em breve João Franco, que em 1907 começara a governar em ditadura, num ambiente de profundo isolamento e crescente contestação, cai em profundo desamor do povo. A história, como se sabe, conduz-nos ao regicídio de D. Carlos em 1 de Fevereiro de 1908; João Franco sai da cena política e o homem da CUF vê chegar ao fim esta experiência política em que se envolvera.

Por essa altura já a CUF dera alguns passos muito significativos. Foram levados a cabo vários trabalhos de reconstrução e remodelação das suas instalações (em particular a da fábrica de óleos das Fontaínhas), foi criado o Serviço de Publicidade Agrícola, instituíram-se serviços sociais e de assistência em benefício dos empregados da Companhia (Caixa Económica, Despensa, Socorros Médicos, Escola Operária e Farmácia), foi adquirida uma fábrica de azeite em Alferrarede.

Entre tudo, o mais importante foi, todavia, a decisão de instalar a CUF no Barreiro. Em 21 de Fevereiro de 1907 Alfredo da Silva assinava com Bensaúde & C.ª a escritura da aquisição do terreno (onde existira uma fábrica de cortiças), que dispunha já de uma ligação por via férrea até à estação e de um cais acostável, e onde em breve se iniciaria a construção de uma fábrica de superfosfatos. Era o primeiro passo que levaria à constituição de um gigante conglomerado industrial nessa povoação e que em breve se tornaria o núcleo central da actividade da CUF. Tudo articulado por uma estratégia de diversificação de actividades que, dentro de poucos anos, estenderia a acção da Companhia a praticamente todos os sectores de actividade (fiação, têxteis, cordoaria, óleos e azeites, moagem...), dispondo de instalações comerciais e fabris espalhadas por quase todo o País.
Guiado pela vontade de modernizar e industrializar o País, de fornecer à agricultura todos os produtos industriais de que esta necessitava, Alfredo da Silva tem boa consciência que está em curso a construção de um poderoso conglomerado industrial absolutamente inédito no nosso País.

Dentro em pouco surgem, no Barreiro, as primeiras fábricas de ácidos e de adubos, de laminagem de chumbo, de sulfato de cobre e de ferro, de soda, de magnésio, de ácido sulfúrico, clorídrico, de refinação de copra.
As peças começam a juntar-se de forma articulada, subordinando-se à lógica acima referida: em 1908 a CUF adquire a Companhia de Tecidos Aliança, em grande parte propriedade da firma Henry Burnay & C.ª, tendo em vista transferir o fabrico da sacaria para o Barreiro. No ano seguinte já se encontra em laboração a primeira secção da fábrica de ácido sulfúrico e superfosfatos e entra em exploração a fábrica de nivéina.

A CUF tornava-se de forma cada vez mais visível o “baluarte da indústria nacional”, transformando a pacata povoação do Barreiro num activo pólo industrial.

1 Maria Filomena Mónica, “Capitalistas e Industriais (1870-1914)”, in Análise Social, vol. XXIII (99), 1987, p. 843.
2 Designação com que aparece nos manuais de ensino técnico segundo Alfredo da Silva, opúsculo editado pela CUF em 1971 por ocasião do 1.º centenário do seu nascimento, p. 8.
3 Alfredo da Silva, opúsculo editado pela CUF em 1971 por ocasião do 1.º centenário do seu nascimento, p. 7.
4 J. M. Brandão de Brito, “Alfredo da Silva”, in Dicionário de História do Estado Novo, vol. 1, Dir. de Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, 1996.
5 Cerca de quatrocentos contos de réis, segundo A. Dias Miguel, Alfredo da Silva, s.e., s.d., p. 18.
6 Idem, p. 31.
7 Idem, p. 24.
8 Protesto que foi publicado na imprensa (A Vanguarda) de 1 de Novembro de 1892.
9 Das palavras que Alfredo da Silva então proferiu deu conta O Comércio do Porto, de 3 de Fevereiro de 1892.
10 V. em particular A Vanguarda, de 7 e 25 de Fevereiro de 1892.
11 A. Dias Miguel, op. cit., p. 67.
12 Idem.
13 Cf. Álbum... op. cit., p. 20-21.
14 Perfil de Alfredo da Silva, p. 28


Maria Fernanda Rollo
Professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Publicado na Revista Ingenium N.º 106 - Julho/Agosto de 2008

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